A conversão pastoral da paróquia
INTRODUÇÃO 2
Capítulo 1 3
SINAIS DOS TEMPOS E CONVERSÃO PASTORAL 3
- 1.1 Novos contextos:
desafios e oportunidades 3
- 1.2 Novos cenários da
fé e da religião 5
- 1.3 A realidade da
paróquia 5
- 1.4 A nova
territorialidade 6
- 1.5 Revisão de
estruturas obsoletas 7
- 1.6 A urgência da
conversão pastoral 8
- 1.7 Conversão para a
missão 9
- 1.8 Breve conclusão 9
Capítulo 2 9
PALAVRA DE DEUS, VIDA E MISSÃO NAS COMUNIDADES 9
- 2.1 A comunidade de
Israel 9
- 2.2 Jesus: o novo modo
de ser pastor 10
- 2.3 A comunidade de
Jesus na perspectiva do Reino de Deus 10
- 2.4 As primeiras
comunidades cristãs 11
- 2.4.1 A comunhão 12
- 2.4.2 A partilha 12
- 2.4.3 A iniciação
cristã 13
- 2.4.4 A missão 13
- 2.4.5 A esperança 14
- 2.5 A
Igreja-comunidade 14
- 2.6 Breve conclusão 15
Capítulo 3 15
SURGIMENTO DA PARÓQUIA E SUA EVOLUÇÃO. 15
- 3.1 As comunidades na
Igreja antiga 15
- 3.2 A origem das
paróquias 16
- 3.3 A formação das
paróquias no Brasil 17
- 3.4 A paróquia no
Concílio Ecumênico Vaticano II 17
- 3.5 A renovação
paroquial na América Latina e Caribe 18
- 3.6 A renovação
paroquial no Brasil 19
- 3.7 Breve conclusão 20
Capítulo 4 21
COMUNIDADE PAROQUIAL 21
4.1 Trindade: fonte e meta da comunidade 21
4.2 Diocese e paróquia 21
4.3 Definição de paróquia 22
4.4 Comunidade de fiéis 23
4.5 Território paroquial 23
4.6 Comunidade: casa dos cristãos 23
4.6.1 Casa da Palavra 24
4.6.2 Casa do pão 24
4.6.3 Casa da caridade – ágape 24
4.7 Comunidades para a missão 24
4.8 Breve conclusão 25
Capítulo 5 25
SUJEITOS E TAREFAS DA CONVERSÃO PAROQUIAL 25
5.1 Os bispos 25
5.2 Os presbíteros 26
5.3 Os diáconos permanentes 27
5.4 Os consagrados 27
5.5 Os leigos 27
5.5.1 A família 28
5.5.2 As mulheres 28
5.5.3 Os jovens 28
5.5.4 Os idosos 29
5.6 Comunidades Eclesiais de Base 29
5.7 Movimentos e associações de fiéis 29
5.8 Comunidades ambientais e transterritoriais 30
5.9 Breve conclusão 31
Capítulo 6 31
PROPOSIÇÕES PASTORAIS 31
- 6.1 Comunidades da
comunidade paroquial 31
- 6.2 Acolhida e vida
fraterna 32
- 6.3 Iniciação à
vida cristã 34
- 6.4 Leitura Orante da
Palavra 34
- 6.5 Liturgia e
espiritualidade 34
- 6.6 Caridade 35
- 6.7 Conselhos,
organização paroquial e manutenção 36
- 6.8 Abertura
ecumênica e diálogo 37
- 6.9 Nova formação 38
- 6.10 Ministérios
leigos 38
- 6.11 Cuidado
vocacional 39
- 6.12 Comunicação na
pastoral 39
- 6.13 Sair em missão 40
- 6.14 Breve conclusão 40
CONCLUSÃO 40
INTRODUÇÃO
- Há séculos a paróquia tem
sido a presença pública da Igreja nos diferentes lugares. Ela é
referência para os batizados. Sua configuração social, entretanto, tem
sofrido profundas alterações nos últimos tempos. A mudança de época
da sociedade e o processo de secularização diminuíram a influência da
paróquia sobre o cotidiano das pessoas. Há dificuldades para que seus
membros se sintam participantes de uma autêntica comunidade cristã.
Cresce o desafio de renovar a paróquia em vista da sua missão.
- De forma especial, a
Exortação Apostólica Evangelii Gaudium1 propõe a revisão da
situação atual da paróquia que, apesar dos ventos contrários, “não é
uma estrutura caduca, precisamente porque possui uma grande plasticidade,
pode assumir formas muito diferentes que requerem a docilidade e a
criatividade missionária do pastor e da comunidade.” 2
- A CNBB tratou da
revitalização da comunidade paroquial em sua Assembleia Ordinária de
2013 que propôs a publicação do texto “Comunidade de comunidades: uma
nova paróquia”, número 104 da Coleção de Estudos da CNBB. De maio a
outubro de 2013, desencadeou-se um processo de intensa participação de
diferentes instâncias que leram, debateram, criticaram e apresentaram
sugestões à comissão de redação do texto. O envolvimento das
comunidades, paróquias, dioceses, congregações religiosas,
associações e movimentos de cristãos leigos, institutos de Teologia,
regionais da CNBB, entre outros, foi numericamente importante e determinou
a construção de um novo texto.
- Na Assembleia Ordinária da
CNBB de 2014, o tema foi debatido e aprofundado, e o resultado da
reflexão é o texto que aqui se apresenta. Ele não é a repetição do
documento de estudos, pois a reflexão avançou e cresceu com a grande
quantidade de emendas que chegou à CNBB.
- Constatou-se que a atual
paróquia necessita de uma conversão pastoral. Para tanto, será
necessário aplicar a eclesiologia proposta pelo Concílio Ecumênico
Vaticano II, consolidar a proposta do Documento de Aparecida e concretizar
as diretrizes da CNBB que insistem na renovação paroquial. Contribuem,
também, para essa reflexão, os pronunciamentos do Papa Francisco em
visita ao Brasil por ocasião da “Jornada Mundial da Juventude”, em 2013.
Igualmente a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium faz indicações sobre um novo olhar e uma nova prática pastoral que
incide diretamente sobre as comunidades.
- Da integração desses
elementos, nasce este texto constituído de seis capítulos. O primeiro,
inspirado na Gaudium et Spes, indica os sinais dos tempos que interpelam a
paróquia atual. Não se trata de empreender uma análise da conjuntura
social, cultural e eclesial, mas de detectar alguns aspectos da realidade
que clama pela conversão pastoral. O segundo capítulo propõe a
recuperação de dados bíblicos sobre as primeiras comunidades cristãs.
No retorno às fontes, pretende-se encontrar a luz para a conversão
pastoral da paróquia. O terceiro capítulo faz um breve resgate
histórico do desenvolvimento das comunidades paroquiais para recuperar
pontos que merecem maior atenção. O quarto capítulo evidencia os
fundamentos eclesiológicos da comunidade e destaca a visão de Igreja que
o Concílio Vaticano II propôs. O quinto capítulo enfatiza os sujeitos e
as tarefas da conversão pastoral para destacar a missão de cada cristão
no contexto paroquial. Finalmente, o sexto capítulo traz algumas
proposições para que a paróquia se torne comunidade de comunidades.
- As questões que norteiam
este texto são: qual é a situação de nossas paróquias hoje? Quais
são as causas de certo esfriamento na comunidade cristã? O que é
preciso perceber para que ocorra uma mudança? Que aspectos merecem
revisão urgente? O que é possível propor e assumir na pluralidade da
realidade brasileira?
- Basicamente, a conversão
pastoral da paróquia consiste em ampliar a formação de pequenas
comunidades de discípulos convertidos pela Palavra de Deus e conscientes
da urgência de viver em estado permanente de missão. Isso implica em
revisar a atuação dos ministros ordenados, consagrados e leigos,
superando a acomodação e o desânimo. O discípulo de Jesus Cristo
percebe que a urgência da missão supõe desinstalar-se e ir ao encontro
dos irmãos.
Capítulo 1
SINAIS DOS TEMPOS E CONVERSÃO PASTORAL
SINAIS DOS TEMPOS E CONVERSÃO PASTORAL
- O Concílio Vaticano II propõe o diálogo na
relação da Igreja com a sociedade. Assim, a Igreja é chamada a
reconhecer os “sinais dos tempos”, 3 pois a história é rica em sinais da presença
de Deus. O Concílio destacou a pastoral e a ação evangelizadora da
Igreja para que esta seja sinal de Cristo no mundo.4 Tal
posicionamento exige que a Igreja se revitalize continuamente no Espírito
que se revela nos sinais dos tempos. Para isso é preciso considerar que
as mudanças na Igreja, especialmente na sua forma de evangelizar,
constituem a sua identidade de acolher o que o Espírito Santo dá a
conhecer em diferentes momentos históricos; daí se compreende o
aforismo: ecclesia semper reformanda5 [a Igreja
deve sempre se reformar].
- Enfrenta-se a realidade para encontrar as
demandas novas que se apresentam para a evangelização. Trata-se de
discernir “os acontecimentos, nas exigências e nas aspirações de nossos
tempos [...], quais sejam os sinais verdadeiros da presença ou dos
desígnios de Deus.” 6 Esse “ver” está condicionado pelo olhar.7 Seguindo o
Documento de Aparecida, pretende-se ir ao encontro da realidade com o
olhar do discípulo. Não é um olhar puramente sociológico. Trata-se na
verdade de um autêntico discernimento evangélico. “É o olhar do
discípulo missionário que se nutre da luz e da força do Espírito
Santo.”8
1.1 Novos contextos: desafios e oportunidades
- O progresso científico permitiu o acesso a novas
tecnologias, e o avanço da informática trouxe comodidades e
experiências inimagináveis num passado recente. A emergência da
subjetividade, a preocupação com a ecologia, o crescimento do
voluntariado, o empenho pela tolerância e o respeito pelo diferente
despertam atualmente uma nova consciência de pertença ao planeta e de
integração entre tudo e todos. Igualmente, multiplicam-se as
mobilizações contra ditaduras, corrupção, injustiças e violação dos
direitos humanos.
- Com a valorização do sujeito na modernidade,
cresce a responsabilidade de cada pessoa de “construir sua personalidade e
plasmar sua identidade social”.9 Essa postura, por outro lado, pode fortalecer a
subjetividade individual, enfraquecer os vínculos comunitários e
transformar a noção de tempo e espaço.10 A pessoa
vive numa sociedade consumista que afeta sua identidade pessoal e sua
liberdade. Acentua-se o egoísmo que desenraiza o indivíduo da comunidade
e da sociedade.
- Vive-se o fascínio entre a emergência da
subjetividade e a cultura individualista que propõe uma felicidade
reduzida à satisfação do ego. Se, de um lado, verifica-se o valor da
pessoa, por outro, percebe-se a dificuldade de alguns em pensar no outro.
Diante disso, constata-se a falta do reconhecimento da comunidade como
geradora de sentido e parâmetro da organização da vida pessoal.
Difunde-se a noção de que a pessoa livre e autônoma precisa se libertar
da família, da religião e da sociedade. A independência da pessoa pode
ser compreendida equivocadamente como a libertação dos vínculos e
influências que os outros podem propor ao indivíduo.
- Alguns até rejeitam os valores herdados da fé,
em nome da criação de novos e, muitas vezes, arbitrários direitos
individuais.11 Por isso, cresce a indiferença pelo outro e aumenta a dificuldade de
planejar o futuro. O que conta, para muitas pessoas, é viver o aqui e o
agora. As novas gerações são as mais afetadas por essa cultura
imediatista. Importa mais a sensação do momento. Tal comportamento gera
novas maneiras de pensar e de se relacionar, especialmente entre os jovens
que são os principais produtores e atores da nova cultura.12
- Na afirmação das liberdades individuais o
mercado ganha força e a pessoa existe enquanto consome. Dos luxuosos shoppings
centers aos camelódromos das periferias, enfileiram-se multidões que buscam
comprar a satisfação ou o sentido de sua individualidade. Será preciso
enfrentar o sistema que tem uma concepção economicista de ser humano e
considera o lucro e as leis do mercado medidas absolutas em detrimento da
dignidade da pessoa humana. 13
- Paradoxalmente os índices de pobreza e miséria
continuam a desafiar qualquer consciência tranquila. A sociedade vive
marcada pela violência, sintoma da exclusão social. Igualmente a
drogadição desafia a vida das famílias. A sociedade do descartável
valoriza apenas o que é útil. Nesse contexto, o idoso, o doente e aquele
que não pode produzir ou consumir não são considerados. Vive-se numa sociedade
de contrastes que desafia o ser cristão.
- É importante perceber a realidade das grandes
cidades que crescem acelerada e desordenadamente. As paróquias urbanas
não conseguem atender a população que nelas existe. Os presbíteros,
diáconos e leigos esgotam suas energias com uma pastoral de manutenção,
sem condições de criar novas iniciativas de evangelização e missão.
- Nas grandes cidades, mesmo nas comunidades
paroquiais, existe anonimato e solidão. Muitos procuram a igreja apenas
para atender às suas demandas religiosas. Não buscam viver a comunhão
nem querem participar de um grupo de cristãos. Por outro lado, há
dificuldades em acolher quem chega; especialmente migrantes e novos
vizinhos, facilmente caem numa massa anônima e raras vezes são recebidos
de forma personalizada nas grandes paróquias.
- Os meios de comunicação são aperfeiçoados e
atingem a população em geral, influindo preponderantemente na opinião
pública. Nas últimas décadas, eles mudaram hábitos e atitudes; criaram
necessidades a partir de desejos e influenciaram no consumo e na
religião. A internet é um território sem fronteiras que entra
diretamente em todos os espaços. Essa realidade produz um mundo cada vez
mais informado, conectando a todos e atingindo a privacidade de pessoas e
instituições. Novos conceitos de espaço são gerados por esses meios
que encurtam distâncias e alargam horizontes. A força da tecnologia dos
meios de comunicação determina tanto a vida na grande cidade quanto na
pequena vila do interior.
- A Igreja na América Latina tem destacado a
importância da inculturação no processo de evangelização. Talvez, por
muito tempo, a inculturação tenha sido enfatizada para evangelizadores
nas pastorais populares. Agora, para compreendermos o sujeito e seu
comportamento no universo midiático, é necessário saber inculturar o
Evangelho no contexto da comunicação virtual.
- A renovação paroquial exige novas formas de
evangelizar tanto o meio urbano como o rural. Apesar de as comunidades
rurais estarem distantes dos centros geradores da nova cultura urbana, em
vista do fácil acesso às informações, também nessas áreas crescem
problemas relativos ao vínculo comunitário.
- Há uma forte tendência no mundo para que a
sociedade seja laicista e a religião não interfira na esfera pública.
Partindo do estado laico, pretende-se chegar a uma sociedade que se paute
pelo laicismo. Chega-se a pensar numa sociedade pós-cristã. Não se
busca mais o verdadeiro, mas o desejável. A verdade se torna relativa às
diferentes necessidades das pessoas. Trata-se de uma cultura sempre mais
secularizada, que evita a influência do cristianismo nas decisões morais
da sociedade.
1.2 Novos cenários da fé e da religião
- A vivência da fé na sociedade atual é
geralmente exercida numa religiosidade não institucional e sem
comunidade, mais ligada aos interesses pessoais. A busca de curas e
prosperidade propiciou o crescimento de novos grupos religiosos que
prometem soluções imediatas às demandas da população, especialmente
carente de recursos e de atendimento de saúde. De outro lado, aumentam as
estatísticas daqueles que se declaram sem-religião, inclusive muitos que
foram batizados na Igreja. Acreditam em Deus, mas não querem laços de pertença
a uma comunidade religiosa.
- Diferentes formas de viver e pensar coexistem em
nossa cultura. O pluralismo liberta as pessoas de normas fixas, mas
também as desorienta pela perda das referências fundamentais e gera
fragmentação da vida e da cultura. O pluralismo nem sempre respeita o
outro, e seu exagero pode provocar o indiferentismo. As pessoas confrontam
sua experiência religiosa com o contexto de pluralismo religioso, com a
perda do sentido comunitário e solidário da fé. Alguns fiéis católicos
frequentam outros cultos e centros religiosos, buscando conforto em suas
dificuldades. Eles se entendem católicos, visitam outras tradições
religiosas e não estabelecem vínculo de pertença com nenhuma.
- A participação na vida eclesial tornou-se, cada
vez mais, uma opção numa sociedade pluralista. Diante da pluralidade de
pertenças do ser humano atual, a comunidade cristã é chamada a
inserir-se, cada vez mais, na sociedade em que vive para testemunhar o
Evangelho de Cristo. Essa integração social implica a participação em
muitos grupos: no trabalho, na cultura local, na política, no lazer, etc.
Cada membro da comunidade cristã sente-se desafiado a integrar, em sua
própria vida pessoal, a unidade de diversas pertenças, procurando manter
sua identidade e vocação cristã.
- A vivência religiosa também está, cada vez
mais, midiática. As experiências visam aos sentimentos e ao bem-estar.
Há quem expresse sua religiosidade conectando-se apenas pelas mídias:
jovens se concentram nas redes sociais da internet e os idosos preferem a
televisão. Emerge, assim, uma experiência religiosa com menor senso de
pertença comunitária.
- Apesar de se constatar muita religiosidade,
especialmente por via midiática, evidencia-se uma adesão parcial à fé
cristã. Está em crise o sentimento de pertença à comunidade e o
engajamento na paróquia. Afetivamente, há pessoas mais ligadas a
expressões religiosas veiculadas por mídias católicas. Efetivamente,
muitos preferem colaborar com campanhas televisivas do que participar do
dízimo paroquial, por exemplo. Embora seja indispensável o trabalho de
religiosos católicos nas mídias, entra em questão o vínculo e o
pertença possibilitados por essa nova modalidade de viver a fé
1.3 A realidade da paróquia
28. A realidade
das paróquias no Brasil é difícil de ser classificada, mas é possível
identificar desafios comuns. Em si, a paróquia está unida a outras paróquias
da diocese. 14 Igualmente, ela
está inserida na sociedade da qual recebe e à qual oferece influências. É
falsa, portanto, a concepção de paróquia como sendo um todo em si mesmo,
formando quase uma comunidade autônoma.
- Encontram-se paróquias que não assumiram a
renovação proposta pelo Concílio Vaticano II e se limitam a realizar
suas atividades principais no atendimento sacramental e nas devoções.
Falta-lhes um plano pastoral sintonizado com um plano diocesano, e sua
evangelização se reduz à catequese de crianças, restrita à
instrução da fé, sem os processos de uma autêntica iniciação
cristã. Nelas, a administração e a responsabilidade da comunidade
concentram-se, exclusivamente, no pároco. Não há uma preocupação
missionária, pois se espera que as pessoas procurem a Igreja. A
evangelização é entendida apenas como fortalecimento da fé daqueles
que buscam a paróquia.
- Por outro lado, muitas comunidades e paróquias
do país vivenciam experiências de profunda conversão pastoral. São
comunidades ocupadas com a evangelização, a catequese como processo de
iniciação à vida cristã, a animação bíblica da pastoral, a liturgia
viva e participativa, a atuação da juventude, os ministérios exercidos
por leigos e leigas, os Conselhos Comunitários, o Conselho Paroquial de
Pastoral e o Conselho de Assuntos Econômicos. Quem participa da vida de
sua paróquia tem vínculos comunitários. Há interesse e empenho em
atrair os afastados. Nessas paróquias, os párocos e os cristãos
engajados, homens e mulheres, desenvolvem uma pastoral de comunhão e
participação. Entretanto, apesar dessa riqueza, algumas não conseguem
atingir a maior parte das pessoas de sua jurisdição, em vista da grande
população ou extensão territorial. Ainda lhes falta ampliar a ação
evangelizadora fortalecendo pequenas comunidades que, juntas, formam a
única comunidade paroquial.
- O grande desafio das paróquias é sair em
missão, deixar de ocupar-se apenas com a rotina e com as mesmas pessoas
que já estão na comunidade e sair ao encontro das pessoas. O Papa
Francisco exorta a vencer a mesmice: “A pastoral em chave missionária
exige o abandono deste cômodo critério pastoral: ‘fez-se sempre assim’.
Convido todos a serem ousados e criativos nesta tarefa de repensar os
objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das
respectivas comunidades.” 15
- O modelo paroquial brasileiro, em sua grande
maioria, depende da atividade dos presbíteros, seja na missão
evangelizadora, na celebração dos sacramentos, na formação, seja na
administração dos bens. Há padres muito dedicados e com exemplar
pastoreio, mas o laicato precisa assumir maior espaço de decisão na
construção da comunidade. Somente assim se evitará que ao trocar o
pároco, as diretrizes da comunidade sejam mudadas completamente.
- Há uma relação estreita entre presbítero e
paróquia, especialmente porque ela tem sido o principal espaço do
ministério presbiteral, e porque é nas comunidades cristãs que nascem
as vocações. Por isso os limites da missão e evangelização se
refletem sobre os candidatos ao presbiterado, que muitas vezes chegam ao
seminário sem a formação de discípulos missionários. Essa situação
fica agravada com a fragmentação das famílias e a superficialidade da
cultura atual que impacta os jovens.
- Assiste-se, também, ao aparecimento de cristãos
que formam grupos fechados em seus ideais, sem comunhão com a diocese e
resistentes ao diálogo com o mundo. Multiplicam-se associações pequenas
de interesses religiosos particulares. Geralmente são pessoas que
promovem certo fundamentalismo católico. Essa redução da experiência
comunitária cristã compromete o conceito de Igreja como Povo de Deus,
que é a união de todas as pessoas, das mais diferentes formas de pensar
e viver, no único ato de culto e formando o Corpo Místico de Cristo.
Afinal, as comunidades cristãs não podem nutrir um sentimento de
superioridade espiritual em relação aos outros e de fuga em relação ao
mundo.
- Outra questão a ser enfrentada são as
comunidades paroquiais ou capelas que funcionam mais como instituição do
que como comunidade de discípulos de Jesus Cristo. Na fé cristã não
há lugar para capelas fechadas, em forma de sociedade ou clube. Algumas
têm diretorias e outras vivem em função de festas, almoços e bailes.
Parecem mais um clube social que não tem como finalidade principal a
evangelização. Nessas comunidades, às vezes, na celebração, aparecem
poucas pessoas, mas lotam os salões para as suas promoções. Cabe se
questionar sobre a identidade de tais comunidades que se esforçam tanto
para eventos e quase não há iniciativas missionárias. Os pobres, nesses
grupos, não têm vez ou, na maioria das vezes, são esquecidos.
- Não basta a união nos trabalhos das pessoas que
atuam na paróquia; é preciso unidade de recíproca referência, pela
qual todos se sintam pertencentes à mesma família de fé que mantém
vínculos de amizade e fraternidade. Para haver comunidade eclesial é
preciso que haja fé, esperança e caridade. A intersubjetividade das pessoas conta e os
interesses precisam ser compartilhados, não apenas os serviços e as
funções.
- Há paróquias que projetam a imagem de uma
Igreja distante, burocrática e sancionadora. Igualmente os planos
pastorais diocesanos e paroquiais precisam ser mais evangélicos,
comunitários, participativos, realistas e místicos. Estruturas novas
podem ser já caducas: reuniões longas, encontros prolixos, metodologias
sem interação.
1.4 A nova territorialidade
- A territorialidade é considerada, há séculos,
o principal critério para concretizar a experiência eclesial. Essa
concepção está ligada a uma realidade mais fixista e estável. Hoje, o
território físico não é mais importante que as relações sociais. A
transformação do tempo provoca uma nova noção de limites paroquiais,
sem delimitação geográfica. Habitar um determinado espaço físico não
significa, necessariamente, estabelecer vínculos com aquela realidade
geográfica. A mobilidade, especialmente urbana, possibilita muitos fluxos
nas relações.
- O ser humano atual vive marcado pela mobilidade e
pelo dinamismo de suas relações. Isso ocasiona a fluidez do território,
com fácil deslocamento de um lugar para outro. Prefere-se entender o
espaço como lugar habitado, onde as pessoas interagem e convivem. Assim,
a paróquia, sem prescindir do território, é muito mais o local onde a
pessoa vive sua fé, compartilhando com outras pessoas a mesma
experiência.
- Um referencial importante para o ser humano de
hoje é o sentido de pertença à comunidade e não tanto o território.
Por isso, alguém pode participar de uma paróquia que não seja a do
bairro onde reside. Não são poucos os que preferem uma comunidade onde
se sintam mais identificados ou acolhidos por diversos motivos:
participação em um movimento, horários alternativos de missa, busca de
um bom pregador, etc. A paróquia como território fixo e estável é
questionada pela experiência de comunidades ambientais não delimitadas
pelo espaço geográfico.
- A transformação do tempo provoca uma nova
concepção dos limites paroquiais, não mais apenas geográficos. A
burocracia e os horários das secretarias paroquiais estão mais ligados a
uma concepção estática de paróquia e não mais corresponde ao estilo
de vida comunitária que as pessoas estabelecem em sua fé.
- A territorialidade, por outro lado, não pode ser
desprezada. Ela é a referência para a maioria dos católicos que
encontram na igreja paroquial um ponto de encontro. O sentimento de pertença
e integração de todos, independentemente de situação econômica,
social e cultural, ainda é mais garantido na paróquia do que em outras
formas de viver o cristianismo. Ela evita que a comunidade seja apenas um
grupo por afinidade que se reúne. A paróquia tem abertura para acolher a
pluralidade das formas de seguir Jesus Cristo. Suas portas estão sempre
abertas para praticantes e não praticantes; para pessoas engajadas e
aquelas que apenas buscam seu atendimento religioso.
- Na medida em que as paróquias crescem
demograficamente, a tendência é fazer a divisão territorial. Essa
delimitação geográfica nem sempre resolve o problema dos vínculos
comunitários, pois as pessoas agregam-se a comunidades independentemente
do espaço físico. Apesar de o cânon 518 do Código de Direito Canônico
apresentar como critério usual para a criação de uma paróquia a
territorialidade, é importante ponderar que o mesmo cânon propõe a
possibilidade de a paróquia não territorial existir em função do rito,
da nacionalidade ou de outra razão de natureza pastoral. Atualmente, essa
segunda possibilidade de criação de paróquias precisa ser aprofundada.
- Considere-se, também, a experiência religiosa
vivida pelas mídias que formam grupos de pertença. O termo comunidade, por
exemplo, é muito utilizado no mundo virtual, rompendo com o espaço
físico e construindo novos territórios baseados em diversos interesses,
superando a noção de espaço e tempo. Na paróquia atual, não é
possível trabalhar com grupos de jovens desprezando as redes sociais que
atraem e conectam interesses e motivações.
1.5 Revisão de estruturas obsoletas
- Cuidar demais das estruturas e da prática
levou-nos a muitas formas de ativismo estéril. A primazia do fazer ofuscou
o ser cristão. Há muita energia desperdiçada em manter estruturas que
não respondem mais às inquietações atuais. Sem negar o valor do que
foi realizado, é preciso agir para responder às inquietações novas. O
Documento de Aparecida propõe “abandonar as ultrapassadas estruturas que
já não favoreçam a transmissão da fé”16
- A Evangelli Gaudium explicitou as consequências
dessa revisão: “A reforma das estruturas, que a conversão pastoral exige
só se pode entender neste sentido: fazer com que todas elas se tornem
mais missionárias, que a pastoral ordinária em todas as suas instâncias
seja mais comunicativa e aberta, que coloque os agentes pastorais em
atitude constante de “saída” e, assim, favoreça a resposta positiva de
todos aqueles a quem Jesus oferece a sua amizade.” 17
- Somos chamados a anunciar Jesus Cristo em
linguagem acessível e atual. Porém, o fazemos mediante abstrações e
fórmulas, sem comunicar experiências de fé. Presos a conceitos de
difícil compreensão, muitas vezes, não somos capazes de estabelecer
relações entre a vida dos que creem e o Mistério de Deus. “As enormes e
rápidas mudanças culturais exigem que prestemos constante atenção ao
tentar exprimir as verdades de sempre numa linguagem que permita reconhecer
a sua permanente novidade.” 18
- Há excesso de burocracia e falta de acolhida em
muitas secretarias paroquiais. A administração paroquial, muitas vezes,
reduz a função dos presbíteros a administradores: “Parte do nosso povo
batizado não sente a sua pertença à Igreja, isso se deve também à
existência de estruturas com clima pouco acolhedor em algumas das nossas
paróquias e comunidades, ou à atitude burocrática com que se dá
resposta aos problemas, simples ou complexos, da vida dos nossos povos. Em
muitas partes, predomina o aspecto administrativo sobre o pastoral, bem
como uma sacramentalização sem outras formas de evangelização.” 19
- Não basta multiplicar ministérios para
administrar os sacramentos. “O problema não está sempre no excesso de
atividades, mas sobretudo nas atividades mal vividas, sem as motivações
adequadas, sem uma espiritualidade que impregne a ação e a torne
desejável.”20 As paróquias precisam rever suas atividades: dar atendimento a
doentes, solitários, enlutados, deprimidos e dependentes químicos. E,
assim, ampliar o atendimento: aproximando-se mais das famílias, do povo
de rua, das populações indígenas, dos quilombolas, das vítimas da
miséria e da violência urbanas. Para que isso aconteça, é necessário
o efetivo desenvolvimento dos serviços e ministérios dos leigos.21
- Entretanto, reconhece-se que “o apelo à revisão
e renovação das paróquias ainda não deu suficientemente fruto” 22 e por isso
é preciso fomentar a mística do discípulo missionário, capaz de
promover a paróquia missionária. Afinal, “o que derruba as estruturas
caducas, o que leva a mudar os corações dos cristãos é, justamente, a
missionariedade.” 23
1.6 A urgência da conversão pastoral
- Toda conversão supõe um processo de
transformação permanente e integral, o que implica o abandono de um
caminho e a escolha de outro. A conversão pastoral sugere renovação
missionária das comunidades,24 para passar de “uma pastoral de mera
conservação para uma pastoral decididamente missionária.” 25 Isso supõe
mudança de estruturas e métodos eclesiais, mas principalmente, exige uma
nova atitude dos pastores, dos agentes de pastoral e dos membros das
associações de fiéis e movimentos eclesiais.
- A expressão conversão pastoral remete acima
de tudo a uma renovada conversão a Jesus Cristo, que consiste no
arrependimento dos pecados, no perdão e na acolhida do dom de Deus (cf. At 2, 38ss.)
Trata-se de uma conversão pessoal e comunitária. Há muitos batizados e
até agentes de pastoral que não fizeram um encontro pessoal com Jesus
Cristo, capaz de mudar sua vida para se configurar cada vez mais ao
Senhor. Alguns vivem o cristianismo de forma sacramentalista sem deixar
que o Evangelho renove sua vida. Outros até trabalham na pastoral, mas
perderam o sentido do discipulado e esqueceram a força missionária que o
seguimento de Jesus implica.
- Já a conversão da comunidade está refletida no
Concílio Vaticano II ao afirmar que “a Igreja, contendo pecadores no seu próprio
seio, simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação,
exercita continuamente a penitência e a renovação.”26 Essa postura
é necessária porque “a Igreja peregrina é chamada por Cristo a esta
reforma perene. Como instituição humana e terrena, a Igreja necessita
perpetuamente desta reforma.” 27
- A mudança não é apenas prática, pois ela
requer uma nova mentalidade: “Quanto à conversão pastoral, quero lembrar
que ‘pastoral’ nada mais é que o exercício da maternidade da Igreja. Ela
gera, amamenta, faz crescer, corrige, alimenta, conduz pela mão... por
isso, faz falta uma Igreja capaz de redescobrir as entranhas da
misericórdia. Sem a misericórdia, poucas possibilidades temos hoje de
inserir-nos em um mundo de ‘feridos’, que têm necessidade de
compreensão, de perdão, de amor.” 28
- A conversão pessoal e a pastoral andam juntas,
pois se fundam na experiência de Deus realizada por pessoas e
comunidades. “Temos consciência de que a transformação das estruturas
é uma expressão externa da conversão interior. Sabemos que esta
conversão começa por nós mesmos. Sem o testemunho de uma Igreja
convertida, vãs seriam nossas palavras de pastores.”29 Só assim
será possível ultrapassar uma pastoral de mera conservação ou manutenção,
para assumir uma pastoral decididamente missionária.
- É urgente uma revitalização da comunidade
paroquial para que nela resplandeça cada vez mais a comunidade
acolhedora, samaritana, orante e eucarística. A participação na
Eucaristia não se reduz ao fato de todos cantarem e rezarem juntos. É
preciso formar o Corpo Místico de Cristo, onde todos se integram como
membros que vivem na unidade. Muitas comunidades podem se auto-compreender
apenas como a junção de muitos interesses individuais que se reúnem
para atender às demandas pessoais de religiosidade. Esse não é o
conceito cristão de comunidade.
- Por outro lado, observam-se atitudes de medo em
relação à mudança e por isso surgem tendências de fechamentos em
métodos antigos e posturas de defesa diante da nova cultura, de
sentimentos de impotência diante de grandes dificuldades, especialmente
nas grandes cidades.30 Sobre isso, exorta o Papa Francisco: “Que nos mova o medo de nos
encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas
que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos
sentimos tranqüilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus
repete-nos sem cessar: ‘Dai-lhes vós mesmos de comer’ (Mc 6, 37).” 31
1.7 Conversão para a missão
- A conversão pastoral supõe passar de uma
pastoral ocupada apenas com as atividades internas da Igreja, para uma
pastoral que dialogue com o mundo. A paróquia missionária há de ocupar-se menos
com detalhes secundários da vida paroquial e focar-se mais no que
realmente propõe o Evangelho.
- A conversão e a revisão das estruturas não se
realizam para modernizar a Igreja, mas para buscar maior fidelidade ao que
Jesus quer da sua comunidade. É exigência da missão a renovação dos
costumes, estilos, horários e linguagem. Só assim toda a estrutura
eclesial favorecerá mais à evangelização do que à autopreservação
da paróquia. 32
- Enquanto a comunidade paroquial for
autorreferencial, ocupando-se apenas de suas questões internas, tende a
atrair cada vez menos pessoas, pois “o discípulo de Cristo não é uma
pessoa isolada em uma espiritualidade intimista, mas uma pessoa em
comunidade para se dar aos outros.”33
1.8 Breve conclusão
61. A paróquia
atual está desafiada a se renovar diante das aceleradas mudanças deste tempo.
Desviar-se dessa tarefa é uma atitude impensável para o discípulo
missionário de Jesus Cristo. Isso implica ter coragem de enxergar os limites
das práticas atuais em vista de uma ousadia missionária capaz de atender aos
novos contextos que desafiam a evangelização. A renovação da paróquia tem
fonte perene no encontro com Jesus Cristo, a ser renovado constantemente pelo
anúncio do querigma.
Capítulo 2
PALAVRA DE DEUS, VIDA E MISSÃO NAS COMUNIDADES
PALAVRA DE DEUS, VIDA E MISSÃO NAS COMUNIDADES
62. A comunidade cristã encontra sua inspiração na Palavra testemunhada
e anunciada por Jesus, em nome do Pai, e confiada aos apóstolos (cf. Lc 10,16). Pela Palavra de Cristo a
Igreja existe e age guiada pelo Espírito Santo. Assim, o cristão encontra, no
modelo de vida de Jesus e dos apóstolos, sua inspiração para ser comunidade.
Para que a paróquia conheça uma conversão pastoral, é preciso que se volte
às fontes bíblicas, revisitando o contexto e as circunstâncias nas quais o
Senhor estabeleceu a Igreja. Assim, poderá identificar elementos que permitam
compreender a paróquia como comunidade de comunidades.
2.1 A comunidade de Israel
- No antigo Israel, a
comunidade era firmada pela Aliança com Deus, determinando a vida
familiar, comunitária e social. Na observância da Lei e na escuta dos
profetas encontrava-se o fundamento da adoração a Deus e da promoção
da justiça com todos. Israel é o povo eleito e convocado por Deus [qahal Yahweh]. É a assembleia dos chamados por Deus para formarem o seu povo
santo.
- As famílias de Israel se
reuniam como comunidade religiosa e social. A experiência familiar e
comunitária marcou a constituição do Povo de Deus em diversas épocas:
Abraão, como pai da grande nação; Isaac e Israel como patriarcas das
doze tribos; Moisés, como libertador da escravidão e organizador do povo
em pequenos grupos; os juízes ungem os primeiros reis; os profetas
anunciam a vontade de Deus e denunciam a infidelidade à Aliança; e o
exílio remete à saudade da Terra Prometida. Diversos processos formaram
o grupo que foi fortalecendo seus vínculos, especialmente após o
exílio.
- No tempo de Jesus, a vida
comunitária em Israel estava se desintegrando. A estrutura da sinagoga
continuava existindo, mas a comunidade estava se enfraquecendo. Os
impostos aumentavam e endividavam as famílias (cf. Mt 22,15-22; Mc 12,13-17; Lc 20,26). A
ameaça de escravidão crescia e levava as famílias a se fecharem dentro
das suas próprias necessidades. Muitas pessoas ficavam sem ajuda e sem
defesa, como as viúvas, os órfãos e os pobres (cf. Mt 9,36).
- Jesus participava da vida
comunitária de Israel. Ele rezava todos os dias, de manhã, ao meio-dia e
ao pôr do sol, como todo seu povo. Aos sábados, participava das reuniões
da comunidade na sinagoga (cf. Lc
4,16). Anualmente participava das
peregrinações para visitar o Templo em Jerusalém (cf. Lc 2,41-52; Jo 2,13; 5,1;
7,14; 10,22). Dessa forma, Jesus apoiava a experiência comunitária da
vivência da fé e, ao mesmo tempo, manifestava progressivamente que Ele
é o Senhor do sábado e expressão definitiva da Palavra de Deus.
2.2 Jesus: o novo modo de ser
pastor
- Jesus se apresentava como o
Bom Pastor (cf. Jo 10,11). Com bondade e ternura acolhia o povo, sobretudo os pobres (cf.
Mc 6,34; Mt 11,28-29). Seu agir revelava um novo jeito de cuidar das pessoas. Ele
ia ao encontro delas, estabelecendo com as mesmas uma relação direta e
acolhedora. Jesus apresentava um caminho de vida nova: “Vinde a mim, todos
vós que estais cansados e carregados de fardos, e eu vos darei descanso”
(Mt 11,28-30).
- Jesus tinha um cuidado
especial para com os doentes (cf. Mc 1,32), afastados do convívio social,
porque eram considerados castigados e viviam de esmolas. Lançava-lhes um
novo olhar, por isso tocava-os para curá-los, tanto da enfermidade quanto
da exclusão social.
- Jesus anunciava a Boa-Nova
do Reino para todos. Não excluía ninguém. Oferecia um lugar aos que
não tinham vez na convivência humana. Recebia como irmão e irmã aqueles
que o sistema religioso e a sociedade desprezavam e excluíam: prostitutas
e pecadores (cf. Mt 21,31-32); pagãos e samaritanos (cf. Lc 7,2-10); leprosos e
possessos (cf. Mt 8,2-4;); mulheres, crianças e doentes (cf. Mc 1,32;); publicanos e
soldados (cf. Lc 18,9-14); e muitos pobres (cf. Mt
5,3).
- Jesus andou pelos povoados
da Galileia anunciando ao povo o Reino de Deus (cf. Mc 1,14-15). Ele ensinava (cf. Mc 2,13), e o
povo ficava admirado com sua pregação ligada ao cotidiano da vida (cf. Mc 12,37). As
parábolas mostravam sua capacidade de comparar as coisas de Deus com a
simplicidade da vida: sal, luz, semente, crianças e pássaros. Jesus
ensinava de forma interativa, pois levava as pessoas a participarem da
descoberta da verdade. Por isso, o povo percebeu “um ensinamento novo e
com autoridade” (Mc 1,27). Sua própria vida era o testemunho do que ensinava.
2.3 A comunidade de Jesus na
perspectiva do Reino de Deus
- Jesus tinha a certeza da
presença do Espírito de Deus em sua vida e a consciência clara de ser
chamado para anunciar a Boa-Nova aos pobres, proclamar a libertação aos
presos, aos cegos a recuperação da vista, libertar os oprimidos e
anunciar um ano de graça da parte do Senhor (cf. Lc 4,18-19).
- Ele valorizou a casa das
famílias. Durante os três anos em que andou pela Galileia, visitou
pessoas e famílias, entrou na casa de Pedro (cf. Mt 8,14), de Mateus (cf. Mt 9,10), de
Zaqueu (cf. Lc 19,5), entre outros. O povo procurava Jesus na sua casa (cf. Mt 9,28; Mc 1,33).
Quando ia a Jerusalém, hospedava-se em Betânia, na casa de Marta, Maria
e Lázaro (cf. Jo 11,3). Ao enviar os discípulos, deu-lhes a missão de entrar nas
casas do povo e levar a paz (cf. Mt
10,12-14). Entrar na casa significava entrar
na vida daquela pequena comunidade que nela habitava.
- Jesus, porém, não se
deteve no entusiasmo individual de alguns, por isso constituiu o grupo dos
Doze Apóstolos (cf. Mc 1,16). O número doze remete às tribos de Israel, dessa forma, a
comunidade de Jesus dará início ao novo Povo de Deus. Ao redor de Jesus
nasceu uma pequena comunidade de discípulos missionários à qual foram
revelados os mistérios do Reino de Deus (cf. Mc 1,16-20; 3,14).
- A comunidade de apóstolos e
discípulos foi aprendendo com Jesus um novo jeito de viver: a) na comunhão com Jesus: percebendo que todos são irmãos e irmãs, por isso
ninguém devia aceitar o título de mestre, nem de pai, nem de guia (cf. Mt 23,8-10);
b) naigualdadededignidade:todosencontramaunidadeemCristo(cf.Gl3,28);por isso homem e mulher passam a ter a mesma dignidade nessa
comunidade, contrariando a noção de que a mulher fosse inferior ao homem.
Jesus revelou-se de modo surpreendente às mulheres: à samaritana disse ser o
Messias (cf. Jo 4,26); a Madalena apareceu por primeiro depois de ressuscitado e a enviou
para anunciar a Boa-Nova aos apóstolos (cf. Mc 16,9-10; Jo 20,17);
c) na partilha dos bens: na comunidade, ninguém tinha nada de próprio (cf. Mc 10,28). Jesus não tinha onde reclinar a cabeça
(cf. Mt 8,20), mas havia uma caixa comum que era partilhada também com os
necessitados (cf. Jo 13,29). Nas viagens o discípulo deveria confiar na acolhida e na partilha
que receberia do povo (cf. Lc 10,7);
d) na amizade: onde ninguém é superior nem escravo: “Já não vos chamo servos, porque
o servo não sabe o que faz o seu Senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos
dei a conhecer tudo o que ouvi do meu Pai” (Jo 15,15);
e) no serviço: como nova forma de entender o poder. “Os reis das nações dominam sobre elas e os que
exercem o poder se fazem chamar benfeitores. Entre vós não deve ser assim”
(Lc 22,25-26). “Quem quiser ser o maior entre vós seja aquele que vos
serve!” (Mc 10,43). Jesus mesmo deu o exemplo (cf. Jo 13,15), pois não veio para ser servido, mas para
servir e doar a vida (cf. Mt 20,28);
f) no perdão: seria a marca de uma comunidade de Cristo. O poder de perdoar foi dado
a Pedro (cf. Mt 16,19), aos apóstolos (cf. Jo 20,23) e às comunidades (cf. Mt 18,18);
g) na oração em comum: eles iam juntos em romaria ao Templo (cf. Jo 2,13; 7,14; 10,22-23), rezavam antes das
refeições (cf. Mc 6,41; Lc 24,30) e frequentavam as sinagogas (cf. Lc 4,16). Em grupos menores, Jesus se retirava com
eles para rezar (cf. Lc 9,28; Mt 26,36-37); e
h) na alegria: expressão de que o Reino de Deus chegara e a salvação estava
próxima: “Felizes são vocês, porque seus nomes estão escritos no céu” (Lc 10,20), e “seus
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olhos veem a realização da promessa” (cf. Lc 10,23-24), “o Reino é vosso!” (cf. Lc 6,20). É a alegria que convive
com dor e perseguição (cf. Mt 5,11).
|
75. Jesus também apresentou quatro recomendações para a missão dos
discípulos:
a) hospitalidade: a atitude do missionário devia provocar o gesto comunitário da hospitalidade (cf. Lc 9,4; 10,5-6). Os discípulos e as
discípulas não deviam levar nada nem mesmo duas túnicas (cf. Mt 10,9-10). A única coisa que
levavam era a paz (cf. Lc 10,5);
b) partilha: não deveriam andar de casa em casa, mas ficar hospedados na primeira casa
em que fossem acolhidos, isto é, eram chamados a conviver de maneira estável
como membros da comunidade que lhes dava sustento (cf. Lc 10,7);
c) comunhão de mesa: deveriam comer o que o povo lhes oferecesse (cf. Lc 10,8). Outros missionários (cf. Mt 23,15) iam prevenidos: levavam
sacola e dinheiro para cuidar da sua própria comida, pois não confiavam na
comida do povo que nem sempre era ritualmente “pura”. Para os discípulos de
Jesus, o valor comunitário da convivência fraterna prevalecia sobre a
observância de normas e rituais; e
76. d) acolhida aos excluídos: por isso curavam os doentes, libertavam os possessos, purificavam os
leprosos (cf. Lc 10,9; Mt 10,8); com esses sinais reconstruíam a vida comunitária e social de
muitos marginalizados da época.
Essas recomendações sustentavam a vida dos missionários do Evangelho.
Tratava-se de uma nova forma de ser e agir numa sociedade marcada por grandes
contrastes. O Reino de Deus implica sempre uma nova maneira de viver e
conviver, nascida da Boa- Nova que Jesus anunciou.
2.4 As primeiras comunidades
cristãs
77. Na manhã de Páscoa, a comunidade dos discípulos fez a experiência
do encontro com Jesus ressuscitado (cf. Lc 24,1-8). Os discípulos reconheceram que o crucificado havia ressuscitado
dos mortos e sido glorificado como Filho de Deus, com dignidade divina (cf. Jo 20,28). O Ressuscitado transmitiu
aos apóstolos o Espírito Santo, para que se tornassem testemunhas do
Evangelho. O poder do Espírito Santo, recebido no dia de Pentecostes (cf. At 2), concedeu diversos carismas
que acompanhavam o anúncio evangélico. O mesmo Espírito guiou as decisões
fundamentais da Igreja para ser uma comunidade evangelizadora: admitir os
pagãos (cf. At 8, 29-39); superar obstáculos da Lei Mosaica (cf. At 5,28); e fazer missão no mundo pagão (cf. At 13,2-3).
- Partindo de Jerusalém, os
apóstolos criaram comunidades nas quais a essência de cada cristão se
define como filiação divina. Essa se dá no Espírito Santo pela relação
entre fé e Batismo. Assim, os seguidores de Jesus começaram a se reunir
para expressar sua fé em Jesus e mostrar o caminho que ele propunha.
Convocada por Deus, a comunidade primitiva era a reunião dos fiéis que
sentiram o mesmo chamado.
- Nos Atos dos Apóstolos,
Lucas apresenta a inspiração para toda a comunidade cristã: “Eles eram
perseverantes em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão
fraterna, na fração do pão e nas orações” (At 2,42). Merece destaque o
verbo perseverar, indicando que a vida cristã é um comportamento
constante em vista do crescimento. Os primeiros cristãos trilhavam um
caminho visando a se manterem fiéis à proposta do Evangelho.
- Toda comunidade cristã se
inspira nos quatro elementos distintivos da Igreja primitiva:
- a) o ensinamento dos apóstolos: a palavra dos apóstolos é a nova
interpretação da vida e da lei a partir da experiência da
ressurreição. Os cristãos tiveram a coragem de romper com o
ensinamento dos escribas, os doutores da época, e passaram a seguir o
testemunho dos apóstolos. Eles consideravam a palavra dos apóstolos
como Palavra de Deus (cf. 1Ts
2,13);
- b) a comunhão fraterna: indica a atitude de partilha de bens. Os primeiros cristãos
colocavam tudo em comum a ponto de não haver necessitados entre eles
(cf. At 2,44-45; 4,32; 34-35). O ideal era chegar a uma partilha não só dos
bens materiais, mas também dos bens espirituais, dos sentimentos e da
experiência de vida, almejando uma convivência que superasse as
barreiras provenientes das tradições religiosas, classes sociais, sexo
e etnias (cf. Gl 3,28; Cl 3,11; 1Cor 12,13);
- c) a fração do pão (Eucaristia): herança das refeições judaicas,
principalmente a ceia pascal, nas quais o pai partilhava o pão com os
filhos e com aqueles que não tinham nada. Para os primeiros cristãos, a
expressão lembrava as muitas vezes em que Jesus tinha partilhado o pão
com os discípulos (cf. Jo 6,11). Lembrava o gesto que abriu os olhos dos discípulos para a
presença viva de Jesus no meio da comunidade (cf. Lc 24,30-35). A fração do
pão era feita nas casas (cf. At
2,46; 20,7); e
- d) as orações: por meio delas os cristãos permaneciam unidos a Deus e entre si
(cf. At 5,12b), e se fortaleciam na hora das perseguições (cf. At 4,23-31).
Os apóstolos atestavam que não poderiam anunciar bem o Evangelho se
não se dedicassem à oração assídua (cf. At 6,4).
- A perseverança na doutrina
dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações
unia os seguidores de Jesus na mesma família e estreitava sempre mais seu
vínculo com Cristo e com os irmãos. Essa experiência permitia que a
própria existência da comunidade fosse essencialmente missionária:
“Louvavam a Deus e eram estimados por todo o povo. E, cada dia, o Senhor
acrescentava a seu número mais pessoas que eram salvas” (At 2,47).
2.4.1 A comunhão
82. A comunhão fundamentava-se na experiência eucarística e se expandia
nas diversas dimensões da vida pessoal, comunitária e social: “Porque há um
só pão, nós, embora sendo muitos, somos um só corpo, pois todos
participamos desse único pão” (1Cor 10,17). Para Paulo a comunhão com Cristo se realiza na ceia do Senhor (cf.
1Cor 10,14 ss). Ela é plena koinonia em algo – pão e vinho – e com
alguém – Jesus Cristo. A Eucaristia nutre a esperança da realização plena
do cristão no mistério de Cristo. Ela sustenta a fé e a esperança na vinda
de Cristo na parusia, por isso proclama o Maranathá [Vem Senhor!]. A resposta da comunidade ao dom do Pai, que é a comunhão
no Corpo e Sangue do Senhor, se realizava no comportamento ético e no
compromisso com todos os sofredores da história.
83. São Paulo aplica o termo koinonia expandindo-o até as fronteiras para vencer as barreiras. Por isso ele pede
a Filêmon, seu amigo na fé, que acolha o escravo Onésimo como se fosse o
próprio Paulo (cf. Fm 1,17). Onésimo havia se convertido à fé cristã na prisão. É por
participar da mesma comunidade cristã, que Onésimo deve ser recebido por
Filêmon como irmão e não mais como escravo. Naquela época, amizade e
comunhão eram pensadas somente entre pessoas da mesma condição social. A
comunhão cristã se expressava na unidade entre judeus e gregos, romanos e
árabes, homens e mulheres, crianças e idosos (cf. At 2,6).
2.4.2 A partilha
- A comunidade primitiva vive
a comunhão de bens: “Todos os que abraçavam a fé viviam unidos e
possuíam tudo em comum; vendiam as suas propriedades e seus bens e
repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um” (cf. At 2,44- 45).
A partilha não era imposta pelos apóstolos, mas expressão natural do
amor a Cristo e aos irmãos. Isso implicava uma nova forma de entender
até mesmo o dízimo. Enquanto para Israel era uma obrigação religiosa,
a partilha de bens dos cristãos era manifestação autêntica e
espontânea da fé: “Cada um dê conforme tiver decidido em seu coração,
sem pesar, nem constrangimento, pois Deus ama a quem dá com alegria” (2Cor 9,7).
- As coletas que Paulo promove
(cf. 2Cor 8-9) são sinais concretos de solidariedade e comunhão dos cristãos
convertidos do paganismo para com os judeu-cristãos de Jerusalém. O
gesto aponta para uma realidade maior: a comunhão do ser humano com o
Pai, em Cristo, se estende aos irmãos pela ação do Espírito Santo. O dom
material é sinal visível da profunda relação das pessoas e da
comunidade com a Trindade.
- A comunhão de bens é uma
atitude concreta vivida pela comunidade que surgiu da Páscoa. Todos
colocam o que possuem a serviço dos outros; assim, os bens pessoais se
tornam comunitários por livre-decisão da pessoa que participa da
comunidade. Essa postura reflete a amizade que circula entre os membros da
comunidade. É reflexo da experiência que se faz do amor de Deus “que
não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós” (Rm 8,32).
2.4.3 A iniciação cristã
- Em Antioquia, pela primeira
vez, os discípulos são chamados de cristãos (cf. At 11,26) para expressar a
condição de batizados: seguidores de Cristo, o “ungido”. O batizado
também é ungido no Espírito Santo; o cristão é um homem novo,
transformado em Cristo (cf. Rm 12,2). É nascido do alto, como disse Jesus a Nicodemos (cf. Jo 3,3).
- Nos primeiros séculos, a
comunidade cristã realizava o processo da iniciação dos futuros cristãos.
Antes de receber o Batismo, a Confirmação e a Eucaristia, o candidato
passava por um processo que permitia mergulhar no mistério de Cristo.
Primeiramente ele recebia o querigma, o primeiro e fundamental anúncio de Jesus
Cristo como o Salvador da humanidade. O candidato deveria, pela fé,
acolher Cristo como seu Salvador (pré-catecumenato). Após essa decisão, ele era acompanhado por
membros da comunidade no catecumenato com instruções, ritos e bênçãos que
permitiam compreender melhor a vida cristã. A entrada no catecumenato e a
eleição para receber os sacramentos eram marcadas por ritos
comunitários que instituíam os catecúmenos.
- Ocorria, então, a
formação fundamentada na doutrina dos apóstolos (cf. At 2,42) que
se dava tanto pela pregação quanto pela catequese. A iniciação cristã
cuidava de instruir os catecúmenos tanto na adesão à pessoa de Jesus
Cristo quanto na vida comunitária e no novo jeito de agir na sociedade e
na família. O ensinamento de Jesus Cristo era retomado na doutrina dos
apóstolos como reflexão que se adaptava às situações e ao público ao
qual se dirigia. O catecúmeno participava das celebrações da Palavra;
durante a celebração eucarística, contudo, era convidado a se retirar
ao serem concluídas as preces. Ele só participaria da liturgia
eucarística após receber o Batismo e a Crisma. Nesse itinerário, a
comunidade fazia uma formação forte e gradual para que a pessoa
compreendesse o mistério do qual era convidada a participar.
90. Na Quaresma ocorria a purificação e a iluminação: uma preparação intensa para a recepção dos sacramentos da iniciação
cristã. Nessa fase, sondavam-se as motivações profundas do candidato que
recebia acompanhamento da oração de toda a comunidade. Na vigília pascal o
candidato, aceito pela comunidade, era batizado, crismado e recebia o Corpo e
Sangue do Senhor, em uma única celebração. Assim, o neófito se tornava um
homem novo, configurado em Cristo. Sua formação era continuada no tempo pascal
com a mistagogia, quando o cristão aprofundava os mistérios dos quais participava como
herdeiro da vida eterna. Toda comunidade acompanhava, formava e conduzia todo
esse processo de iniciação.
2.4.4 A missão
- Como Jesus é o enviado do
Pai para cumprir a sua vontade (cf. Hb
3,1), os cristãos receberam o envio de Jesus:
“Ide, pois fazer discípulos entre todas as nações” (cf. Mt 28,19).
Trata-se da missão de anunciar a Boa-Nova da salvação a toda criatura
(cf. Mc 16,15) até os confins da Terra (cf. At 1,8).
- Por isso a comunidade
cristã anuncia Jesus Cristo e acolhe novos membros que, pelo Batismo, se
tornam discípulos do Senhor, para testemunharem com palavras e gestos o
Evangelho do Reino de Deus. Essa missão impulsiona as comunidades a
expandirem a mensagem de Cristo além de suas fronteiras geográficas.
Fizeram como Jesus fazia: “Vamos a outros lugares, nas aldeias da
redondeza, a fim de que, lá também, eu proclame a Boa Nova. Pois foi
para isso que eu saí” (Mc 1,38). Por isso as viagens missionárias de Paulo constituíram
comunidades cristãs em diferentes regiões do mundo antigo.
- A missão é sustentada
especialmente por casais missionários: Prisca e Áquila (cf. Rm 16,3-5)
colaboradores de Paulo; Andrônico e Júnia (cf. Rm 16,7), chamados de
apóstolos notáveis. Eles são judeu-cristãos e auxiliam Paulo em sua
missão. Prisca e Júnia revelam a presença missionária das mulheres no
primeiro século. Igualmente Evodia e Síntique (cf. Fl 4,2) trabalhavam para a
expansão do Evangelho no mundo antigo. O carisma das mulheres é
fundamental para entender a obra missionária das origens, por isso Paulo
pôde sentenciar que diante do Evangelho todos têm a mesma dignidade:
“Não há homem nem mulher” (cf. Gl
3,28).
2.4.5 A esperança
- Devido à ressurreição de
Cristo, os cristãos são testemunhas da esperança. A ressurreição é o
anúncio central da comunidade que deve viver e testemunhar a mensagem
pascal. Essa experiência é vivida nas liturgias cristãs, que são
pascais. A Igreja, esposa de Cristo, vive da certeza de que um dia
habitará na tenda divina, na casa da Trindade, numa Aliança nova e
eterna com Deus (cf. Ap 21, 2-5).
- Há um elemento fundamental
para compreender a vida dos primeiros cristãos: sua esperança na vinda
de Jesus Cristo no fim dos tempos. Por isso eles pregam a conversão
especialmente de Israel que deve acolher seu Messias. Dessa forma, o grupo
se define como o verdadeiro Israel, a verdadeira Qahal que é a
reunião do povo da Aliança. Mesmo quando os cristãos anunciam a
Boa-Nova para os não judeus, o conceito de “Povo de Deus” é mantido.
Até mesmo os pagãos e as pequenas comunidades nascidas das missões, se
compreendem como membros desse “Novo Povo de Deus” que espera o Senhor que
virá.
- A esperança no Cristo que
virá faz a comunidade sentir-se peregrina: forma o povo de Deus a caminho
do Reino. Assistida pelo Espírito de Jesus Cristo, consciente do amor do
Pai que revelou a salvação, a comunidade caminha rumo à Pátria (cf. Fl 3,20). A
comunidade faz a experiência de reunir os herdeiros do Reino. Quem entra
numa comunidade cristã encontra um ambiente de vida e se sente envolvido
pelo movimento que vai da morte para a vida plena.
- O Novo Testamento, assim,
permite identificar os cristãos como peregrinos e, ao mesmo tempo, como
os seguidores do Caminho (cf. At
16,17). Afinal, a Igreja, comunidade de
fiéis, é integrada por estrangeiros (cf. Ef
2,19), pelos que estão de passagem (cf. 1Pd 1,7), ou ainda, pelos imigrantes (cf. 1Pd
2,11), ou peregrinos (cf. Hb 11,13).
Sempre indica que o cristão não está em sua pátria definitiva (cf. Hb 13,14),
que deve se comportar como quem se encontra fora da pátria (cf. 1Pd 1,17). O
cristão é caminheiro. Ele segue o caminho da salvação (cf. At 16,17).
2.5 A Igreja-comunidade
- No tempo dos apóstolos e
das primeiras pregações do cristianismo, a civilização urbana se
expandia pela bacia do mar Mediterrâneo, e as cidades promoviam uma
revolução social e cultural. Paulo funda comunidades nas cidades mais
importantes do Império e entra na nova organização social que emergia.
Enquanto as comunidades do cristianismo palestinense eram profundamente
itinerantes, a proposta de Paulo sugeria um cristianismo de forma
sedentária.
- Por isso Paulo usa a imagem
da casa, lugar estável onde se reúne a família. Ele emprega o conceito Igreja Doméstica, indicando que as comunidades se reuniam na casa dos cristãos. As
comunidades de Jerusalém, Antioquia, Roma, Corinto e Éfeso, entre
outras, são comunidades formadas por Igrejas Domésticas: as casas
serviam de local de acolhida dos fiéis que ouviam a Palavra, repartiam o
pão e viviam a caridade que Jesus ensinou. Paulo faz da casa a estrutura
fundamental das Igrejas por ele fundadas.
- A Igreja do Novo Testamento
será denominada como ekklesia tou theou, isto é, como assembleia convocada por Deus. O
conceito ekklesia indicava a comunidade reunida para a liturgia,
para ouvir a Palavra de Deus e celebrar a Ceia (cf. 1Cor 11,18);
era empregado também para “comunidade doméstica”, isto é, os cristãos
que se reuniam nas casas para celebrar a liturgia (cf. Rm 16,5);
expressava, igualmente, a comunidade local de todos os cristãos que
viviam numa determinada cidade (cf. At
11,22); enfim, designava a comunidade inteira
dos cristãos, onde quer que residissem (cf. At 9,31).
- A comunidade de Jerusalém
se denomina ekklesia de Deus (cf. 1Cor 15,9). Ekklesia, no
grego, significa reunião pública, que tem o seu equivalente no Antigo
Testamento, conforme a Tradução dos Setenta, com o termo qahal,
designando a reunião do povo da antiga Aliança. A comunidade cristã
primitiva é compreendida, portanto, como o povo eleito de Deus, o
verdadeiro Israel. Contudo, há uma diferença, a eleição não se reduz
aos judeus, pois se estende a todos que creem no Cristo. Também os
pagãos são chamados a essa ekklesia.
- A comunidade cristã também
foi marcada por manifestações poderosas do Espírito Santo. Ocorreram
fenômenos como curas, profecias e visões. Eram dons do Espírito Santo
que confirmavam os apóstolos e os discípulos de Jesus. A comunidade
primitiva foi marcada pela experiência da presença viva do Espírito
Santo, pois o Reino de Deus se revela na palavra e nas obras. A Igreja
primitiva anunciava Jesus Cristo com palavras e obras que comunicavam a
salvação já operante na história. Assim, a salvação já estava
presente mesmo que sua plenitude ainda não tivesse chegado.
2.6 Breve conclusão
- Na visão bíblica o ser
humano não é concebido como indivíduo isolado e autônomo. Ele é
membro de uma comunidade, faz parte do povo da Aliança, encontra sua
identidade pessoal como membro do Povo de Deus. A mesma noção perpassa o
Novo Testamento com elementos novos. Utiliza-se a ideia de Corpo de
Cristo, do qual cada pessoa é membro. Assim, biblicamente, o ser humano
forma-se nas relações que estabelece com a comunidade de fé. Se para
Israel o eixo integrador era a Aliança feita com Deus, no Novo Testamento
será a pessoa de Jesus Cristo quem estabelece a nova e eterna Aliança,
centro da experiência pessoal e comunitária da Igreja primitiva.
- Os primeiros cristãos
formarão o novo Povo de Deus ( 1 Pd. 2,10 ). Essas primeiras comunidades
de cristãos servem de inspiração para toda comunidade que pretenda ser
discípula missionária de Jesus Cristo. Para tanto seus membros
prestarão o culto devido a Deus, cuidarão uns dos outros, formarão
comunidades de amizade e caridade, partilharão os bens, serão fiéis à
doutrina dos apóstolos e viverão na comunhão da Igreja, se
comprometerão com a missão de anunciar e testemunhar Jesus, o Cristo.
- O Novo Testamento não
oferece um modelo único de comunidade cristã. Mas apresenta elementos e
critérios comuns para a vivência comunitária da fé cristã nos
diferentes contextos culturais e em épocas distintas. Por isso, “a
Igreja, fiel a Cristo e guiada pelo Espírito Santo, não deveria ter medo
de aceitar e de criar novos modelos, satisfazendo assim as exigências de
sua vida e missão nos diversificados contextos em que atua”.34
Capítulo 3
SURGIMENTO DA PARÓQUIA E SUA EVOLUÇÃO.
SURGIMENTO DA PARÓQUIA E SUA EVOLUÇÃO.
106. A dimensão comunitária da fé cristã conheceu diferentes formas de
se concretizar historicamente, desde a Igreja Doméstica até chegar à
paróquia na acepção atual. A paróquia é um instrumento importante para a
construção da identidade cristã; é o lugar onde o cristianismo se torna
visível em nossa cultura e história. É verdade que a origem da paróquia é
marcada por um contexto cultural muito diferente do atual. Por isso muitos
aspectos históricos precisam ser recuperados e outros revistos, diante das
mudanças de época e a necessidade de acentuar o sentido comunitário da fé
cristã.
3.1 As comunidades na Igreja
antiga
- As comunidades cristãs
primitivas transmitiram a Palavra de Jesus que pode ser reconhecida em
todos os tempos. Apesar das dificuldades e dos insucessos, os primeiros
cristãos não perderam sua esperança e mantiveram a fidelidade ao Reino
de Deus. O cristianismo dos três primeiros séculos vivia de forma
clandestina no Império Romano. As comunidades sofreram perseguição e
martírio. É o tempo dos Santos Padres quando a Igreja precisou delinear
melhor os carismas e ministérios, especialmente, definindo melhor a função
dos bispos, presbíteros e diáconos. A comunidade era um refúgio para os
cristãos que viviam numa sociedade de contrastes.
- Naquele contexto
aprofundou-se a ideia de fraternidade cristã, de tal forma que as
comunidades sentiam-se responsáveis umas pelas outras. Os membros da
comunidade se tratavam como irmãos e se distinguiam dos costumes pagãos.
O sentimento de irmandade se expressava no cuidado e na assistência a
todos que necessitavam de auxílio, especialmente viúvas, desempregados,
presos, órfãos, velhos e doentes. Nesse tempo se desenvolveu a prática
do jejum, por meio do qual os cristãos destinavam aos pobres tudo o que
deixavam de consumir. As comunidades sustentavam muitas obras de caridade
com a prática penitencial do jejum.
- A Igreja vivia numa
sociedade com valores estranhos aos cristãos. Esses formavam grupos
numericamente reduzidos. O sistema social das comunidades cristãs era
tão organizado que até mesmo os não cristãos poderiam receber ajuda.
Aquele estilo de vida das comunidades implicava uma recusa cristã diante
de práticas como a do abandono de crianças recém-nascidas e a
adoração aos deuses.
- A carta a Diogneto condensa
a condição da comunidade cristã de estar-no-mundo sem se identificar
com ele “Vivem na sua pátria, mas como forasteiros; participam de tudo
como cristãos e suportam tudo como estrangeiros. Toda pátria estrangeira
é pátria deles, e cada pátria é estrangeira. Casam-se como todos e
geram filhos, mas não abandonam os recém-nascidos. Põem a mesa em
comum, mas não o leito; estão na carne, mas não vivem segundo a carne;
moram na terra, mas têm sua cidadania no céu; obedecem as leis
estabelecidas, mas com sua vida ultrapassam as leis [...] são pobres, e
enriquecem a muitos; carecem de tudo, e têm abundância de tudo.” 35
3.2 A origem das paróquias
111. Em 313, o edito de Milão declarou a liberdade religiosa para todo o
Império Romano. Com o fim da perseguição, os cristãos podiam viver na
sociedade e manifestar publicamente sua fé. Assim começou a crescer o número
de cristãos, e com o edito de Tessalônica em
381, emanado pelo Imperador Teodósio, tornando o cristianismo religião
oficial do império, as assembleias cristãs ficaram cada vez mais massivas e
anônimas. Aos poucos o cristianismo se tornou a religião da maioria no
império.
- As comunidades cristãs
passaram a se organizar em total correspondência com a vida social,
estabelecendo-se territorialmente e organizando-se administrativamente. A
relação igreja-casa se enfraqueceu, criaram-se, no final do século III,
locais fixos chamados domus ecclesiae, para as diversas reuniões da comunidade, sob a
direção de um presbítero. No final do século IV, esses locais fixos de
culto eram chamados, em Roma, de titulus. Chamavam-se paróquia, as comunidades rurais,
afastadas da cidade onde moravam o bispo e seu presbitério. Porém, no
século V, o sistema paroquial adquire maior autonomia com os presbíteros
que estão à sua frente desenvolvendo várias funções: presidir a
Eucaristia, batizar e promover a reconciliação, sendo considerados
delegados do bispo. Aos poucos, o sistema paroquial vai se impor também
na cidade, sendo os locais fixos de reuniões, existentes nas cidades,
transformados em paróquias territoriais. A territorialidade determinou a
transformação social das comunidades cristãs primitivas em paróquias.
Diminuiu a força da pequena comunidade com seus muitos carismas para
fortalecer as unidades paroquiais territoriais. A diocese emergiu como expansão
das comunidades eclesiais urbanas.
- Para garantir a unidade da
Igreja, concretamente expressa na Eucaristia presidida pelo bispo,
instituiu-se o fermentum, fragmento do pão consagrado, levado às
comunidades para ser imerso no cálice da missa presidida pelo
presbítero. Com isso, indicava-se que a Eucaristia da comunidade era um
prolongamento da Eucaristia episcopal. Traduzia-se, assim, a comunhão
entre a comunidade paroquial animada pelo presbítero e a Igreja
Particular, coordenada pelo bispo.
- Outro elemento importante a
ser considerado é a reorganização da iniciação cristã no Ocidente. O
presbítero realizava os ritos batismais, porém a consumação ou
perfeição (a atual crisma) ficava reservada ao bispo, como ministro da
unidade e da comunhão da Igreja local.
- As paróquias, originalmente
rurais, se estenderam pelas cidades devido ao crescimento populacional,
decorrentes da impossibilidade do bispo de atender com seu presbitério
aos povoados mais distantes. A paróquia, com o tempo, passaria a ser
essencialmente a Igreja instalada na cidade. As paróquias eram grandes ou
pequenas, de acordo com o tamanho das cidades. A comunidade eclesial era
episcopal e urbana.
- Em 476 ocorreu o fim do
Império Romano no Ocidente com a invasão dos bárbaros. Esses
assimilaram a cultura romana, a monarquia, o latim e a autoridade da
Igreja Católica. Uma nova etapa começou para as comunidades cristãs. A
paróquia medieval era uma grandeza teológica onde se desenvolvia a vida
inteira das pessoas, pois, além da agregação religiosa, também
influenciava na economia e na educação da região onde se situava. Havia
uma estreita ligação entre Igreja, Estado e sociedade. Nesse período,
aparecem ordens religiosas e mosteiros atraindo pessoas que buscavam uma
espiritualidade que a paróquia não conseguia proporcionar.
- No início do segundo
milênio, emergiu a noção de mundo dividido entre dois poderes: o
temporal e o espiritual, sendo este último considerado superior, pois o
Papa coroava o Imperador. A vida cristã, naquele contexto, conheceu uma
novidade importante quando um monge do mosteiro de Cluny foi eleito Papa e
assumiu o nome de Gregório VII (1073-1085). Ele promoveu a Reforma Gregoriana que pretendia fazer a Igreja regressar às suas origens e afirmar o
poder papal, diante das ameaças dos senhores feudais. A reforma foi uma
resposta aos problemas do seu tempo, mas, aos poucos, desenvolveu-se a
noção de Igreja mais como instituição jurídica do que sacramental. A
paróquia permaneceu sendo uma referência para os cristãos.
- O Concílio de Trento, no
século XVI, mesmo considerando as novas condições
sociais, culturais e religiosas surgidas do Renascimento e da Reforma
Protestante, não modificou o perfil estrutural da paróquia. Insistiu, porém,
que o pároco residisse na paróquia e instituiu o seminário para formar o
clero. 36 Estabeleceu os critérios de
territorialidade e propôs a criação de novas paróquias para enfrentar o
problema do crescimento populacional. As determinações do Concílio de Trento
delinearam substancialmente o modelo de paróquia que chegou até o Concílio
Vaticano II.
3.3 A formação das paróquias
no Brasil
119.
120. No Brasil o catolicismo chegou no século XVI e foi marcado pelas
ordens religiosas e as irmandades de fiéis. Nas principais cidades havia
várias igrejas de diferentes ordens religiosas que insistiam em devoções
particulares. Cada fiel aderia a uma associação religiosa de acordo com sua
preferência ou santo de veneração. Entretanto, a vida cristã, alinhada às
ordens religiosas, ficou comprometida em 1855, com algumas medidas do Império
que fechou os noviciados no País. As irmandades ficaram abaladas, algumas
desapareceram e outras se secularizaram. Resistiu e ainda resiste, no Brasil,
um catolicismo de tradições populares com suas festas e devoções. Naquele
contexto, as paróquias permaneceram como a única instância institucional do
catolicismo no país.
Com a proclamação da República em 1889, a situação mudou. Houve a
chegada de congregações religiosas europeias ao Brasil. Elas tiveram
atuação semelhante à que se fazia no catolicismo da Europa no século XIX
que enfatizava muito a escola católica. Na época as dificuldades eram
significativas: um padre deveria atender a extensas regiões geográficas,
ficando sobrecarregado com a administração e recebendo alguma ajuda do
laicato, mais de provisão material. Nas cidades grandes, alguns religiosos,
mais ocupados com escolas, assumiram também paróquias para colaborar com os
bispos frente ao crescimento das populações urbanas. Diante da pluralidade de
congregações e carismas, apostolados e atuações, não havia preocupação
de formar uma unidade entre as paróquias.
Cresceu um catolicismo brasileiro caracterizado pela intensa participação
do leigo em associações, onde há muita reza e pouca missa. O leigo atuava
especialmente na capela, onde se rezava o rosário e se realizavam as
procissões. No século XIX ocorreu o chamado processo de restauração, quando se introduziu no Brasil
a reforma tridentina e se tentou paroquializar a capela onde se preservava o
catolicismo leigo e popular. Permaneceu, entretanto, a busca por festas,
procissões, culto aos santos e rezas por parte dos leigos. O clero insistia na
formação moral e dogmática da fé. A paróquia ficou sendo identificada como
o lugar exclusivo do padre. O catolicismo popular sobreviveu sem se alinhar
muito à vida paroquial.
Isso influenciou na situação das comunidades paroquiais brasileiras,
especialmente no comportamento de seus batizados. Esses percebem a paróquia
como sendo o lugar mais adequado para receber os sacramentos e atender às suas
necessidades religiosas. Por isso muitos se dizem “católicos
não-praticantes”, isto é, declaram-se católicos, mas somente procuram a
igreja paroquial quanto devem participar de atos religiosos ou buscar
atendimento sacramental.
No período pré-industrial, a paróquia abraçava a sociedade local em
suas diferentes manifestações e diversos ambientes. Era uma comunidade
territorial que se orientava, sobretudo, para atender às famílias católicas.
A paróquia, segundo o Código de Direito Canônico de 1917, era concebida como
a menor circunscrição local, pastoral e administrativa.37
Sessio Vigesima Tertia, Cap. VI e Cap. XVIII. Cân., n. 215 ss.
121.
122.
123.
3.4 A paróquia no Concílio
Ecumênico Vaticano II
- O Concílio Vaticano II não
tem um documento ou um estudo específico sobre a paróquia, contudo,
apresenta uma chave de leitura muito importante: a Igreja Particular. A
Igreja de Cristo está presente na Igreja Particular.38 A paróquia, porém, não é
a Igreja Particular no sentido estrito, pois ela está em rede, isto é,
em comunhão com as demais paróquias que formam a diocese, que é a
Igreja Particular. Para o Concílio Vaticano II, portanto, a paróquia só
pode ser compreendida a partir da diocese. Em termos eclesiológicos,
pode-se dizer que ela é uma “célula da diocese” 39. A Igreja Particular é
apresentada como porção [portio] do Povo de Deus;40 a paróquia, entretanto, é entendida como parte
[pars] da Igreja Particular (diocese).
- O Concílio reflete sobre a
Igreja Particular partindo da Eucaristia e insiste no valor da Igreja
reunida em assembleia eucarística. Ela é fonte e cume de toda a vida
cristã, onde se realiza a unidade do Povo de Deus.41
- A comunidade se expressará
na comunhão dos seus membros entre si, com as outras comunidades e com
toda a diocese reunida em torno do seu bispo. Assim, a Igreja, que
prolonga a missão de Jesus, há de ser compreendida primeiramente como
comunhão [communio], pois sua raiz última é o mistério
insondável do Pai que, por Cristo e no Espírito, quer que todas as
pessoas participem de sua vida de infinita e eterna comunhão, na
liberdade e no amor, vivendo como filhos e filhas na fraternidade.
- O Concílio Vaticano II
permitiu também alargar a compreensão da missão da Igreja no mundo.
Integrando parágrafos da Constituição Dogmática Lumen Gentium com os textos da Constituição Pastoral Gaudium et Spes, foi possível realizar uma síntese que refletiu a visão da Igreja
sobre si mesma e sobre sua relação com o mundo. A Gaudium et Spes indica que o mundo é o lugar dos discípulos que o Cristo convocou para
formarem a Igreja.42 Deriva dessa autocompreensão o sentido mais comunitário e
missionário de paróquia.
- O Decreto Apostolicam Actuositatem, sobre o apostolado dos leigos, enfatizou o caráter comunitário da
vida cristã: “A paróquia apresenta um exemplo luminoso do apostolado
comunitário, congregando num todo as diversas diferenças humanas que
encontra e inserindo-as na universalidade da Igreja.” 43 Insiste-se que a comunidade
paroquial tenha maior abertura e deixe de ser auto referencial: “Para
responderem às necessidades das cidades e das zonas rurais, mantenham [os
leigos] sua cooperação não apenas limitada ao território da paróquia
ou da diocese, mas façam o possível para estendê-la ao âmbito
interparoquial, interdiocesano, nacional ou internacional, tanto mais que
aumentando dia a dia a emigração das populações, a multiplicação dos
mútuos liames e a facilidade dos meios de comunicação, já não
permitem a nenhum grupo social permanecer fechado em si mesmo.” 44
3.5 A renovação paroquial na
América Latina e Caribe
129. Na década de 60 ocorreram sérias mudanças no contexto
latino-americano: os regimes militares, a violação dos direitos humanos, o
êxodo rural, o surgimento da consciência das causas do empobreci-mento da
população, as questões ideológicas e o aumento da violência determinaram
um novo cenário social, econômico, político e cultural que afetou a
população. A atuação das comunidades paroquiais não ficou alheia aos novos
desafios. Muitas comunidades serviram de refúgios a perseguidos, de centros de
denúncia de tortura e instância de reflexão em busca de justiça.
- O drama vivido pelos povos
latino-americanos se refletiu na 2a Conferência Geral do Episcopado
Latino-Americano em Medellín (Colômbia - 1968). Os bispos propuseram uma
revisão da pastoral de conservação nas paróquias, sustentada na
sacramentalização e na fraca evangelização. 45 Em meio aos conflitos
daquele momento histórico, a Igreja na América Latina reforçou seu compromisso
evangélico com a justiça e a verdade.
- Medellín sugeriu a
formação de comunidades eclesiais nas paróquias, as quais deveriam se
basear na Palavra de Deus, de modo que seus membros tivessem sentimento de
pertença e pudessem viver a solidariedade entre si. Insistiu na vivência
comunitária e litúrgica da fé cristã, especialmente com a celebração
da Eucaristia. Destacou que a vida em comunidade supõe um objetivo comum:
“alcançar a salvação mediante a vivência de fé e de amor”.46 Para a formação e a
expansão das comunidades, se sugeriu a instituição do diaconato
permanente, conforme indicou o Concílio Vaticano II.47 Apesar das ameaças dos
sistemas políticos e sociais, muitas comunidades fortaleceram-se e
animaram a vida de seus membros no espírito do Evangelho.
- Em Puebla (México - 1979),
realizou-se a 3a Conferência Geral do Episcopado Latino- americano. Sobre
a paróquia, Puebla mencionou a missão integral de acompanhar “as pessoas
e famílias no decorrer de toda a sua existência, na educação e
crescimento na fé.”48 A novidade era conceber a paróquia como centro
de “coordenação e animação de comunidades, grupos e movimentos.”49 A noção de paróquia
incluiu grupos e movimentos, reconhecendo mais a reunião dos fiéis do
que o território.
- Nessa época expandiu-se a
experiência das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). O documento final
explicitou a definição das CEBs, afirmando que são “comunidades” porque
integram famílias, adultos e jovens numa íntima relação interpessoal
na fé; são “eclesiais” porque se nutrem da Palavra de Deus e da
Eucaristia, vivendo o compromisso do mandamento do amor de acordo com o
ensinamento de Jesus; e são “de base” por serem constituídas de poucos
membros, como células da grande comunidade.50
- A 4a Conferência Geral do
Episcopado Latino-Americano ocorreu em Santo Domingo (República
Dominicana - 1992). O documento abordou a paróquia como família de Deus
e destacou sua missão: “A paróquia, comunidade de comunidades e
movimentos, acolhe as angústias e esperanças dos homens, anima e orienta
a comunhão, participação e missão.” 51 A novidade foi a
compreensão de paróquia como comunidade
de comunidades.
- O documento deslocou a
noção territorial de paróquia para a concepção comunitária afirmando
que ela “não é principalmente uma estrutura, um território, nem
edifício, é a família de Deus, como uma fraternidade animada pelo
Espírito de unidade.” 52 Baseando-se na Christifideles Laici, Santo Domingo definiu paróquia como “a própria Igreja que vive no
meio das casas dos seus filhos e das suas filhas.” 53
- Santo Domingo considerou a
paróquia uma rede de comunidades.54 Não deixou de denunciar a lentidão no processo
de renovação paroquial, especialmente entre seus agentes e na falta de
maior engajamento dos fiéis leigos. Para superar o desafio de
revitalização, os bispos sugeriram, retomando Medellín, a setorização
da paróquia em pequenas comunidades e a promoção do protagonismo dos
leigos. Enfatizaram a acolhida e o ardor missionário para ir ao encontro
daqueles que se afastaram da comunidade.55
- A 5a Conferência Geral do
Episcopado Latino-Americano foi realizada em Aparecida (Brasil - 2007). O
grande apelo de Aparecida foi a conversão
pastoral, que sugere abandonar
estruturas obsoletas de pastoral e situações de mera conservação para
assumir a dimensão missionária da renovação paroquial. Sugeriu-se que
a renovação das paróquias ocorra para que sejam uma rede de comunidades
capazes de se articular de tal modo que seus membros vivam em comunhão
como autênticos discípulos missionários de Jesus Cristo.56
- Para Aparecida, as
paróquias “são células vivas da Igreja e o lugar privilegiado no qual a
maioria dos fiéis tem uma experiência concreta de Cristo e a comunhão
eclesial. São chamadas a ser casa e escolas de comunhão.”57 Os bispos sugerem que as
paróquias se transformem “cada vez mais em comunidade de comunidades.”58 Esse é o título de uma
seção do quinto capítulo do documento de Aparecida: Paróquia: comunidade de comunidades. 59
- O Documento de Aparecida
propõe a comunidade como o centro da vivência cristã. A comunidade
paroquial, entretanto, não pode ser uma superestrutura formal e vazia,
mas deve ser um todo orgânico que envolva os diversos aspectos da vida.
Uma Igreja sólida como instituição, mas vazia de vida comunitária
real, como casa ou família, não estaria de acordo com a inspiração do
Novo Testamento.
3.6 A renovação paroquial no
Brasil
- A Igreja no Brasil ocupa-se
do tema renovação paroquial desde 1962. Naquela ocasião, foi implantado o Plano de Emergência com o objetivo de enfrentar os problemas da época e revitalizar as
paróquias: “Urge, pois, vitalizar e dinamizar nossas paróquias, tornando-as
instrumentos aptos a responder à premência das circunstâncias e da
realidade em que nos encontramos.” 60 Insistiu-se no valor da diocese como lugar da
comunhão fundamental da pastoral. E destacou-se o tríplice múnus de
Cristo, do qual participa todo batizado e que se expressa na missão da
igreja paroquial enquanto comunidade de fé (múnus profético), culto
(múnus sacerdotal) e caridade (múnus régio). 61 O laicato foi estimulado a
trabalhar por uma civilização que realizasse o bem comum.
- A Igreja no Brasil
começava, então, a traçar linhas de uma pastoral de conjunto, isto é, uma
ação realizada em comum pelo conjunto dos membros da Igreja visando a
todas as pessoas e seus problemas, nos locais e situações que as
condicionavam. Isso implicava o levantamento da realidade onde as
paróquias se encontravam para um adequado conhecimento dos contextos que
as influenciavam. Portanto, às vésperas do Concílio Vaticano II, a
Igreja no Brasil pensava na superação de uma pastoral concentrada na
conservação e pretendia uma abertura aos novos desafios que se
apresentavam.
- A primeira Campanha da
Fraternidade da CNBB, em 1964, abordou a renovação eclesial tendo como
tema: “Igreja em Renovação” e como lema: “Lembre-se, você também é
Igreja”. Em 1965 a Campanha da Fraternidade refletiu o tema: “Paróquia em
Renovação” e trouxe o sugestivo lema:”Faça da sua paróquia uma
comunidade de fé, culto e amor”.
- A CNBB manteve a
preocupação de uma evangelização atenta aos desafios da realidade no
País. Recentemente, as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da
Igreja no Brasil (2011-2015) afirmam que “as paróquias têm um importante
papel na vivência da fé. Para a maioria de nossos fiéis, elas são o
único espaço de inserção na Igreja” 62 e alertam que “é urgente
que a paróquia se torne, cada vez mais, comunidade de comunidades vivas e
dinâmicas de discípulos missionários de Jesus Cristo.” 63
- Em 2013, a CNBB refletiu
sobre a paróquia em sua Assembleia Ordinária. O texto 104 da Coleção
Estudos das CNBB: “Comunidade de comunidades: uma nova paróquia,” foi
amplamente difundido em todas as regiões do Brasil. O envolvimento no
processo de reflexão, com emendas, críticas e sugestões, mobilizou
desde as pequenas comunidades até os regionais da CNBB. O significativo
número de exemplares impressos e o elevado índice de acessos ao texto
eletrônico no site da CNBB são indicativos do interesse das paróquias e comunidades
brasileiras em refletir o processo da renovação paroquial.
- Igualmente, a preocupação
pela renovação paroquial foi influenciada pelos pronunciamentos do Papa
Francisco em visita ao Rio de Janeiro, em julho de 2013, por ocasião da
“Jornada Mundial da Juventude”. Na ocasião ele enfatizou que “não
podemos ficar fechados na paróquia, em nossa comunidade, em nossa
instituição paroquial ou em nossa instituição diocesana, quando tantas
pessoas estão esperando o Evangelho.” 64
- O Papa Francisco afirma
ainda que “a paróquia é presença eclesial no território, âmbito para
a escuta da Palavra, o crescimento da vida cristã, o diálogo, o
anúncio, a caridade generosa, a adoração e a celebração. Através de
todas as atividades, a paróquia incentiva e forma os seus membros para
serem agentes da evangelização”. 65
- A exortação papal confirma
que a paróquia é “comunidade de comunidades, santuário onde os sedentos
vão beber para continuarem a caminhar, e centro de constante envio
missionário”. 66 E alerta que “o apelo à revisão e renovação das paróquias ainda
não deu suficientemente fruto, tornando-se ainda mais próximas das
pessoas, sendo âmbitos de viva comunhão e participação e orientando-se
completamente para a missão.” 67
3.7 Breve conclusão
148. As paróquias nascem da necessidade de expandir o atendimento aos
cristãos que vivem especialmente em áreas distantes do bispo. Aos
presbíteros se confiará essa missão. Ao longo dos anos, aparecem iniciativas
procurando retornar às origens da Igreja: os mosteiros, a Reforma Gregoriana e
o Concílio de Trento são propostas de renovação da organização da Igreja.
- O Concílio Vaticano II
promoverá a recuperação do sentido de comunhão da comunidade a partir
do mistério trinitário e da união entre os seus membros; a importância
da valorização dos leigos na comunidade eclesial, para que ela seja toda
ministerial; e a abertura da dimensão cultual para a totalidade das
dimensões da comunhão e da missão da Igreja no mundo.
- Desde Medellín, os bispos
latino-americanos insistem na renovação, para que a paróquia se torne
uma rede de comunidades. Os documentos das Conferências Gerais do
Episcopado Latino-americano registram a lentidão na renovação paroquial
na América Latina e no Caribe. Esse atraso deve ser compensado, segundo
Aparecida, com uma autêntica conversão
pastoral que não se reduz a
mudanças de estruturas e planos, mas principalmente de mentalidade.
- A Igreja do Brasil desde
1962 reflete sua realidade paroquial e busca a renovação. Especialmente
a CNBB tem se dedicado para que a paróquia seja mais discípula e, por
isso, mais missionária. O pontificado do Papa Francisco indica e colabora
para que ocorra essa mudança de mentalidade e de prática pastoral.
Capítulo 4
COMUNIDADE PAROQUIAL
- A comunidade-Igreja encontra
seu fundamento e origem no Mistério Trinitário. O Espírito Santo “leva
a Igreja ao conhecimento da verdade total (Jo16,13), unifica-a na
comunhão e no ministério, dota-a com diversos dons hierárquicos e
carismáticos, com os quais a dirige e embeleza”.68 A presença do Espírito
Santo garante que a comunidade cristã não seja reduzida a uma realidade
sociológica ou psicológica, como se fosse apenas um grupo que se reúne
para atender às suas necessidades ou para fazer o bem. Pelo Espírito
Santo a comunidade recebe o dom da unidade
que permite a comunhão das pessoas com Cristo
e entre si. Essa unidade dos seguidores de Jesus Cristo é a comunhão da
Igreja, que “encontra a sua expressão mais imediata e visível na Paróquia:
esta é a última localização da Igreja [...]” 69
- Desde a sua origem, a
paróquia traz em si o prolongamento da Igreja Particular e da Eucaristia
episcopal que se desdobra numa realidade eclesial maior. Esse vínculo é
salientado no Concílio Vaticano II ao definir a paróquia como célula da
diocese.70 A paróquia visibiliza, em
seu lugar, a Igreja universal71 e representa a Igreja visível espalhada por todo
o mundo.72 Pode-se dizer que a
paróquia é a localização última da Igreja que vive nas casas de seus
filhos e filhas.73 Pela paróquia, a Igreja participa do cotidiano das pessoas, das
relações sociais e concretiza a experiência do discipulado
missionário.
4.1 Trindade: fonte e meta da
comunidade
- A Igreja foi desejada e
projetada pelo Pai, é criatura do Filho e constantemente é vivificada
pela ação do Espírito Santo. A dimensão comunitária é fundamental na
Igreja, pois se inspira na própria Santíssima Trindade, a perfeita
comunidade de amor. Sem comunidade não há como viver autenticamente a
experiência cristã, pois a Igreja origina-se da Trindade, é estruturada
à sua imagem e ruma para a pátria trinitária.
- Na Trindade o amor é
distinção das pessoas e unidade do mistério. Na Igreja, a diversidade
de dons e carismas propõe a unidade do povo de Deus na variedade de
dioceses, paróquias e comunidades, que exprimem sua comunhão recíproca.
Inspirada na Trindade, a Igreja não pode existir na uniformidade que
anula a riqueza dos dons do Espírito Santo. Como a Trindade, também a
comunidade cristã vive no amor que permite acolhida e doação, que une
as diferenças num só coração.
- A comunhão e a missão
trinitária inspiram a missão da comunidade que nasce da consciência de
que muitos vivem sem o amor de Deus. O desejo da Trindade é que todos
conheçam e participem desse amor. A comunidade eclesial há de se
empenhar na tarefa de anunciar e testemunhar o amor revelado em Jesus
Cristo como resultado da compreensão de sua própria identidade.
- Não há comunidade cristã
que não seja missionária; se ela esquece a missão, deixa de ser
cristã. Por isso a comunidade vive a comunhão na diversidade, aberta
para acolher quem se aproxima e possibilitar que muitos participem, isto
é, tomem parte da comunidade que se empenha em viver na comunhão com a
Trindade. A Igreja se organiza em dioceses, nas quais estão as paróquias
e comunidades na busca de viver a comunhão trinitária.
4.2 Diocese e paróquia
- A diocese é a porção do
povo de Deus confiada a um bispo com a cooperação de um presbitério.74 Ao ser criada uma nova
paróquia na diocese, não se produz uma divisão ou repartição da
Igreja, mas se estabelece uma nova presença da Igreja numa nova
paróquia. A diocese, por sua vez, também vive em comunhão com todas as
demais dioceses que são presididas na caridade pelo bispo de Roma, o
Papa.
- A Igreja, contudo, é mais
do que se vê. Ela é mistério, por isso a paróquia como comunidade de
comunidades e cada um dos fiéis estão em profunda comunhão com a
realidade além da visibilidade. A comunhão da Igreja supera a unidade
sociológica ou a harmonia psicológica. É uma comunhão no mistério da
comunhão dos santos: a Igreja que está no céu, os remidos em Cristo,
com aqueles que estão se purificando no purgatório e com os que são
discípulos de Jesus que peregrinam sobre a Terra. Essa comunhão se
reflete nas dioceses com suas paróquias que constituem a Igreja visível
e rezam em comunhão com seus membros que faleceram. Assim, a Igreja da qual
a paróquia é concretização, não se reduz às estruturas e organismos
pastorais. Sem prescindir dessas realidades, ele visa a salvação que
considera e transcende o mundo visível.
- Desse mistério, a paróquia
constitui-se na menor parte de uma comunidade mais ampla que é a Igreja
Particular. Essa pode ser uma diocese, uma prelazia, um vicariato
apostólico, etc. A paróquia não pode ser concebida como independente,
mas somente em relação à Igreja Particular na qual se encontra. Dela
recebe as orientações pastorais e define sua atividade. A vitalidade da
diocese, por sua vez, depende da vitalidade das suas paróquias.75
4.3 Definição de paróquia
- Na Bíblia grega, aparecem
três palavras ligadas à noção de paróquia: o substantivo paroikía, significando estrangeiro, migrante; o verbo paroikein,
designando viver junto a, habitar
nas proximidades, viver em casa alheia (cf. Rt 2,1ss) ou em peregrinação e a palavra paroikós, usada tanto como
substantivo quanto adjetivo. O substantivo paroikía pode ser traduzido por morada,
habitação em pátria estrangeira. O adjetivo paroikós equivale a
vizinho, próximo, que habita junto.
- Assim, a Igreja, comunidade
de fiéis, é integrada por estrangeiros (cf. Ef 2,19), pelos que estão de
passagem (cf. 1Pd 1,7) ou, ainda, pelos imigrantes (cf. 1Pd 2,11) ou peregrinos (cf. Hb 11,13),
sempre indicando que o cristão não está em sua pátria definitiva (cf. Hb 13,14),
que deve se comportar como quem se encontra fora da pátria (cf. 1Pd 1,17). A
paróquia, desse modo, é uma “estação” onde se vive de forma
provisória, pois o cristão é caminheiro. Ele segue o caminho da
salvação (cf. At 16,17).
- O conceito de paróquia
está ligado à acolhida daqueles que estão em peregrinação. É uma
hospedaria que acolhe os viajantes para a pátria celeste. Ela não pode
ser morada definitiva, pois distrairia seus hóspedes do final da viagem.
Mas ela não pode ser apenas um lugar de passagem onde os viajantes não
criam laços de fraternidade, amizade e comunhão, pois perderia o sentido
de existir como casa que prepara aqueles que buscam uma comunhão plena.
Ela é, portanto, referência, lar, casa e, ao mesmo tempo, hospedaria,
estação para os que caminham guiados pela fé em Jesus Cristo.
- O Catecismo da Igreja
Católica ensina que a “Paróquia é uma determinada comunidade de fiéis,
constituída de maneira estável na Igreja particular, e seu cuidado
pastoral é confiado ao pároco, como a seu pastor próprio, sob
autoridade do bispo diocesano”. 76 A afirmação é retirada do Código de Direito
Canônico de 1983, que reflete a eclesiologia do Concílio Vaticano II e
define a paróquia como uma comunidade de fiéis, constituída de maneira
estável e confiada aos cuidados pastorais de um pároco, como seu pastor
próprio.77 Dois elementos merecem
atenção: a comunidade de fiéis e a comunhão com a Igreja Particular –
a diocese. Essa unidade se estabelece e deve ser garantida especialmente
pela ação do pároco em comunhão com o bispo.
- Sobre a missão, o Catecismo
destaca que a paróquia é o “lugar onde todos os fiéis podem ser
congregados pela celebração dominical da Eucaristia. A paróquia inicia
o povo cristão na expressão ordinária da vida litúrgica, reúne-o
nesta celebração, ensina a doutrina salvífica de Cristo, pratica a
caridade do Senhor nas obras boas e fraternas.” 78 Assim, retomam-se os
elementos presentes nos Atos dos Apóstolos (cf. At 2,42) ao caracterizar a
comunidade como perseverante na fração
do pão, na comunhão fraterna, nas orações e no ensinamento
dos apóstolos. Toda paróquia é
comunidade cristã baseada nessas quatro colunas. Só assim será
missionária e atrairá outros para o seguimento de Jesus Cristo.
- Pode-se traduzir, também, a
missão da paróquia na integração de três tarefas derivadas do
tríplice múnus de Cristo: ser uma comunidade de fé, de culto e de
caridade, onde se reúnem os fiéis para celebrar a Eucaristia e prestar o
verdadeiro culto a Deus, onde se persevera na doutrina dos apóstolos para
alimentar a fé em Jesus Cristo e onde se pratica o amor fraterno com
todas as pessoas, expressão da caridade de Cristo pela humanidade.
- O Catecismo propõe superar
a vivência individualista da fé: “Não podes rezar em casa como na
Igreja, onde se encontra o povo reunido, onde o grito é lançado a Deus
de um só coração. Há ali algo mais, a união dos espíritos, a
harmonia das almas, o vínculo da caridade, as orações dos
presbíteros.” 79 Apresenta a clara distinção entre oração privada e oração
comunitária e destaca a comunhão dos fiéis entre si, com seus ministros
e com Deus.
4.4 Comunidade de fiéis
- A paróquia encontra no
conceito de comunidade a autocompreensão de sua realidade histórica.
Ela é, portanto, uma comunidade de fiéis que, de alguma maneira, torna
presente a Igreja num determinado lugar.
- O termo comunidade pode abranger todos os agrupamentos humanos e por diferentes meios. O
que a caracteriza é o fato de agregar seus membros numa identidade
coletiva. Geralmente, comunidade significa ter algo em comum. Formam
comunidade aqueles que têm em comum ou compartilham o que têm e o que
são. Por isso, é importante delimitar o que se entende por comunidade
eclesial.
- Teologicamente a palavra comunidade significa a união íntima ou a comunhão das pessoas entre si e delas
com Deus Trindade. Essa comunhão se realiza fundamentalmente pelo Batismo
e pela Eucaristia. Assim, a comunidade participa da vida divina na
partilha de vida fraterna ao comungar na mesma mesa, ao professar a mesma
fé recebida dos apóstolos ao testemunhar a caridade que revela o amor
salvífico de Deus para a humanidade.
- A paróquia, entendida como
comunidade, é o local onde se ouve a convocação feita por Deus, em
Cristo, para que todos sejam um e vivam como irmãos. É a Igreja que
está onde as pessoas se encontram, independentemente dos vínculos de
território, de moradia ou de pertença geográfica. É a casa-comunidade
onde as pessoas se encontram. O chamado é para todos. É vocação para
todos formarem a grande família de Deus, a família dos que “ouvem a
Palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 8,21).
- A expressão comunidade de fiéis indica a união, a partir da fé, daqueles que são batizados e estão
em plena comunhão com a Igreja. O Concílio Vaticano II concebe a
paróquia como comunidade de pessoas em Cristo, valendo-se de expressões
como “grupo de fiéis”,80 “comunidade de fiéis”,81 e “porção do rebanho do
Senhor”. 82
- O sentido comunitário
realiza e reforça a dimensão pessoal de cada cristão. Como no corpo, em
que cada membro é necessário para o bem de todos, na comunidade, “Cristo
abraça em Si mesmo todos os crentes que formam o seu corpo, o cristão
compreende- se a si mesmo neste corpo, em relação primordial com Cristo
e os irmãos na fé. A imagem do corpo não pretende reduzir o crente a
simples parte de um todo anônimo, a mero elemento de uma mera
engrenagem”. 83 A unidade da comunidade não
extingue a pluralidade de pessoas. Os dons e carismas individuais,
partilhados, colaboram para o enriquecimento de toda a comunidade
paroquial.
4.5 Território paroquial
- Para o Código de Direito
Canônico a paróquia, via de regra, é territorial, isto é, compreende
todos os fiéis de determinado território, mas esclarece que onde “for
conveniente, constituam-se paróquias pessoais, em razão de rito,
língua, nacionalidade dos fiéis de um território, e também por outra
razão determinada.” 84
- Ao destacar o espírito
comunitário não se pode desprezar o valor do território paroquial para
estimular a pertença e a acolhida dos fiéis. O território se define a
partir de uma área circunscrita por uma linha divisória. A comunidade
territorial é compreendida como uma comunidade de fiéis determinada por
meio de um espaço geográfico delimitado. Neste caso, para alguém
pertencer a uma paróquia, basta residir dentro de seus limites
territoriais.
- Mesmo com a delimitação
territorial, pessoas de diferentes condições sociais, culturais ou
econômicas podem se unir na paróquia. Igualmente as diferentes formas de
espiritualidade, associações e movimentos podem frequentar a paróquia
delimitada pelo território. A paróquia é a comunidade à qual pertencem
todos os fiéis, sem exclusão ou elitismo. Só assim ela será católica,
isto é, aberta a todos e respeitando a diversidade de cada fiel. A
paróquia, enfim, é uma comunidade formada por aqueles fiéis que se
reúnem para ouvir a Palavra de Deus e participar da Eucaristia, sob os
cuidados pastorais do pároco, em comunhão com o bispo diocesano.
4.6 Comunidade: casa dos
cristãos
177. A comunidade cristã é a experiência de Igreja que acontece ao redor
da casa [domus ecclesiae]: “Paróquia: esta é a última localização da Igreja; é, em certo sentido,
a própria Igreja que vive no meio das casas dos seus filhos e das suas
filhas.” 85 É a Igreja que está onde as
pessoas se encontram, independentemente dos vínculos de território, moradia
ou pertença geográfica.
178. A ideia de comunidade como casa fornece o conceito de lar, ambiente de
vida, referência e aconchego de todos que transitam pelas estradas da vida.
Recuperar a ideia de casa significa garantir
o referencial para o cristão peregrino encontrar-se no lar. É uma estação,
uma parada no caminho para a pátria definitiva. No Novo Testamento, a palavra casa muitas vezes significa a
comunidade- igreja, construída por pedras
vivas (cf. 1Pd 2,5).
4.6.1 Casa da Palavra
179. A comunidade cristã é a casa da Palavra, na qual o discípulo escuta,
acolhe e pratica a Palavra. A Igreja se define pelo acolhimento do Verbo de
Deus que, encarnando, armou a sua tenda entre nós (cf. Jo 1,14). A morada de Deus entre os homens [shekinah - cf. Ex 26,1] prefigurada no Antigo
Testamento, “realiza-se agora com a presença definitiva de Deus no meio dos
homens em Cristo”.86
180. A liturgia é o lugar privilegiado para a Igreja escutar a voz do Senhor:
“Considerando a Igreja como ‘casa da Palavra’, deve-se, antes de tudo, dar
atenção à Liturgia sagrada, que constitui, efetivamente, o âmbito
privilegiado onde Deus nos fala no momento presente da nossa vida: fala hoje ao
seu povo, que escuta e responde.” 87 Cada cristão precisa encontrar-se pessoalmente com Jesus Cristo e fazer um
ato de adesão total ao Senhor. A comunidade é assim a casa da iniciação à
vida cristã. Igualmente, os Círculos Bíblicos e a prática da Leitura Orante
da Palavra, na perspectiva da animação bíblica da pastoral, muito podem
oferecer para que esse encontro se realize.
4.6.2 Casa do pão
- A comunidade cristã vive da
Eucaristia: “A fé da Igreja é essencialmente fé eucarística e
alimenta- se, de modo particular, à mesa da Eucaristia.” 88 A Eucaristia é o momento
principal da vida comunitária, pois é sacramento de comunhão e
reconciliação. Ela é o encontro de Deus com a comunidade, da comunidade
com Deus e dos membros da comunidade entre si.
- Na Eucaristia, se
estabelecem as novas relações que o Evangelho propõe a partir da
filiação divina que o cristão recebe do Pai em Cristo. A fraternidade
é a expressão da comunhão com Deus e as pessoas. É a fonte
inesgotável da vocação cristã e do impulso missionário. A partir da
Eucaristia, cada comunidade cristã concretiza, em sinais solidários, o
seu compromisso com a prática da caridade.
4.6.3 Casa da caridade – ágape
- Na Palavra e na Eucaristia,
o cristão, nova criatura pelo Batismo, vive numa nova dimensão, a
relação com Deus e com o próximo: a dimensão do amor como ágape. O
próprio Senhor disse que “ninguém tem maior amor do que aquele que dá a
vida por seus amigos” (Jo 15,13). A amizade torna-se, então, expressão do ágape, centro da caridade cristã. Essa amizade se traduz em compaixão pelos que sofrem. Os
membros da comunidade vivem o compromisso social, especialmente promovendo
a justiça e os direitos humanos, numa evangélica opção pelos pobres e
na prática da ética do cuidado com todos os necessitados da sociedade.
- A vida fraterna do cristão
não pode limitar-se ao âmbito de uma comunidade; é preciso que haja uma
presença pública da Igreja na sociedade, por meio de cristãos que, pelo
diálogo, explicitem sua visão de mundo e concepção de vida de acordo
com o Evangelho. Sendo missionária, a comunidade cristã anuncia Jesus
Cristo com gestos concretos de promoção e defesa da vida e trabalhando
para que a paz seja fruto da justiça.
4.7 Comunidades para a missão
- O testemunho da comunidade
cristã é missionário quando ela assume os compromissos que colaboram
para garantir a dignidade do ser humano e a humanização das relações
sociais. O testemunho é anterior ao discurso e às palavras, pois é por
si uma proclamação silenciosa, mas também muito clara e eficaz da Boa-
Nova e é um elemento essencial na missão de evangelizar. 89
- A missão supõe “testemunho
de proximidade que entranha aproximação afetuosa, escuta, humildade,
solidariedade, compaixão, diálogo, reconciliação, compromisso com a
justiça social e capacidade de compartilhar, como Jesus o fez”.90
- A missão requer o anúncio
explícito da Boa-Nova de Cristo, isto é, o querigma: anunciar Jesus
Cristo, crucificado e ressuscitado. Esse anúncio não pode ser
pressuposto, nem mesmo entre os membros da própria comunidade. Há
pessoas na comunidade que perderam o brilho da fé, vivem um testemunho
opaco e uma missão tímida.
- O querigma inclui
necessariamente o testemunho. Somente aderindo a Jesus Cristo, o Senhor, a
comunidade de batizados viverá o programa de vida de Jesus, a serviço do
Reino, sem medo de desmascarar as mentiras e trabalhar pela justiça. Uma
fé sem testemunho e querigma ficaria reduzida a práticas de culto e
religiosidade sem propor mudança de vida. Poderia ser um grupo que vive a
religiosidade sem o exercício da misericórdia e da justiça que o Senhor
indicou no mandamento do amor.
- O estado permanente de
missão supõe que a comunidade cristã tenha consciência que ela é,
“por sua natureza, missionária”91 e precisa ser constantemente missionada, isto é,
precisa renovar-se sempre diante dos novos desafios que enfrenta no
confronto com o mundo e na relação entre seus membros. Para ser
missionária, a paróquia precisa ir ao encontro das pessoas: “A
comunidade missionária experimenta que o Senhor tomou a iniciativa, precedeu-a
no amor (cf. 1 Jo 4,10), e, por isso, ela sabe ir à frente, sabe tomar a iniciativa sem
medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos
caminhos para convidar os excluídos. Vive um desejo inexaurível de
oferecer misericórdia, fruto de ter experimentado a misericórdia
infinita do Pai e a sua força difusiva.”92
4.8 Breve conclusão
- A Igreja proporciona o
encontro entre a iniciativa de Deus e a ação humana, é o ícone da
Santíssima Trindade no tempo e a elevação do tempo ao coração da
Trindade. Apesar de viver na história e no tempo, a Igreja se destina à
eternidade.93
- A descentralização da
paróquia e a consequente valorização das pequenas comunidades deveria
ser a grande missão da Igreja que busca desenvolver a cultura da
proximidade e do encontro. Afinal, “o que derruba as estruturas caducas, o
que leva a mudar os corações dos cristãos é, justamente, a
missionariedade”.94
Capítulo 5
SUJEITOS E TAREFAS DA CONVERSÃO PAROQUIAL
SUJEITOS E TAREFAS DA CONVERSÃO PAROQUIAL
- O Concílio Vaticano II
evidenciou a relação e a distinção entre sacerdócio comum dos fiéis,
proveniente do Batismo – fonte e raiz de todos os ministérios – e
sacerdócio ministerial, proveniente da Ordem, expressando como ambos
participam do único sacerdócio de Cristo.95 Na renovação paroquial,
todos estão envolvidos em diferentes tarefas. O fortalecimento das
comunidades supõe a multiplicação de ministérios e serviços dos
discípulos e discípulas missionários. Os sujeitos e as tarefas da
conversão pastoral dependem de um encontro pessoal com Jesus Cristo.
- Jesus se apresenta como o
Bom Pastor que acolhe o povo, sobretudo os pobres. Seu agir revela um novo
jeito de cuidar das pessoas. Esse é o desafio de todo aquele que é
colocado diante de uma comunidade, principalmente os bispos, presbíteros,
diáconos e leigos que nela atuam. A renovação paroquial depende de um
renovado amor à pastoral, que se exerce como expressão do sacerdócio
recebido pelo Batismo e pela Ordem.
- Todos os sujeitos da
conversão pastoral como discípulos missionários, hão de se comprometer
a ser presença evangelizadora, próximos de todos, especialmente junto
aos que se encontram nas periferias, sejam geográficas, sejam
existenciais. “No anúncio evangélico, falar de ‘periferias existenciais’
descentraliza e, habitualmente, temos medo de sair do centro. O
discípulo-missionário é um ‘descentrado’: o centro é Jesus Cristo, que
convoca e envia.” 96 A mudança de mentalidade e de atitude depende, portanto, da
superação do medo que impede a missão. A missão da Igreja é de todos
os seus membros, com corresponsabilidade diferenciada e responsabilidades
apostólicas compartilhadas.97
5.1 Os bispos
195. Os bispos serão os primeiros a fomentar, em toda a diocese, a conversão
pastoral das paróquias. Eles são os responsáveis por desencadear o processo
de renovação das comunidades, especialmente na missão com os afastados,
chamados a fazer da Igreja casa e escola de comunhão.98
196. O Papa Francisco estimula os bispos a serem pastores próximos das pessoas,
usando a paciência e a misericórdia, que sejam pessoas simples e acolhedoras,
para que vigiem o rebanho que lhes foi confiado e busquem manter a unidade.
Devem cuidar da esperança para que haja sol e luz nos corações.99
Essas atitudes permitem ao bispo ser mais próximo
do rebanho que lhe foi confiado.
197. O Papa também questionou os bispos: “Procuramos que o nosso trabalho e o
de nossos presbíteros sejam mais pastorais que administrativos?” 100
Requer-se, portanto, que os bispos sejam os
animadores de uma nova mentalidade e postura pastoral, marcada pela cultura do
encontro e da proximidade.
198. A conversão pastoral da paróquia supõe animar e ajudar os presbíteros
que enfrentam diariamente os desafios e as dificuldades da pastoral. Encontrar
as respostas às novas perguntas nem sempre será possível, mas o bispo
poderá fortalecer o clero na sua missão
e na sua espiritualidade. Enfim, sem a iniciativa da diocese e de seu pastor,
será muito difícil que as paróquias se tornem comunidade de comunidades.
5.2 Os presbíteros
- Todo presbítero é chamado
a ser padre-pastor, dedicado, generoso, acolhedor e aberto ao serviço na
comunidade. Há, contudo, uma sobrecarga de múltiplas tarefas assumidas,
especialmente pelos párocos, impostas ou solicitadas pelo bem da
comunidade: muitas atividades sociais, atendimentos individuais, numerosas
e rotineiras celebrações dos sacramentos, reuniões, responsabilidades
administrativas e tantas outras atividades. O excesso de atividades
pastorais é um sinal preocupante: pode prejudicar o equilíbrio pessoal
do padre.
- Em algumas comunidades,
encontram-se presbíteros desencantados, cansados. A sobrecarga de
trabalhos pode dificultar a capacidade de relacionamento dos presbíteros,
tornando-os apáticos aos sofrimentos dos outros, insensíveis aos pobres,
rudes no tratamento de seus paroquianos e incapazes de manifestar a
misericórdia e a bondade de Cristo do qual são ministros. Eles precisam
ser ajudados.
- Outra preocupação se
refere à atualização do padre diante das aceleradas mudanças que
ocorrem na modernidade. Ele pode ficar atrasado no tempo e afastado da
realidade. No ativismo, pode ser que não se dedique ao estudo e não se
prepare melhor para escutar e entender os anseios dos que o procuram. A
missão do pároco para a renovação paroquial requer uma vivência mais
comunitária do ministério, garantindo a continuidade da ação
evangelizadora, especialmente quando o padre é substituído, evitando
personalismos e isolamentos em relação à diocese. 101
- A conversão pastoral da
paróquia depende muito da postura do presbítero na comunidade. Isso
exige uma profunda consciência de que o padre não é um mero delegado ou
um representante, mas um dom para a comunidade à qual serve,102 como pastor e guia, sendo
presença visível de Cristo. Será fundamental acolher bem as pessoas,
exercer sua paternidade espiritual sem distinções, renovando sua
espiritualidade para ajudar tantos irmãos e irmãs que buscam a
paróquia. Desse modo estará mais disponível para ir ao encontro de
tantos sofredores que nem sempre são bem acolhidos na sociedade e na
comunidade eclesial.
- A paróquia há de fazer a
diferença no atendimento, começando pelo padre. Isso requer que o
presbítero cultive uma profunda experiência de Cristo vivo, com
espírito missionário, coração paterno, que seja animador da vida
espiritual e evangelizador, capaz de promover a participação.103 A exigência fundamental é
“que o padre seja autêntico discípulo de Jesus Cristo, porque só um
sacerdote apaixonado pelo Senhor pode renovar uma paróquia”.104
- A renovação paroquial
requer novas atitudes dos párocos. Em primeiro lugar, o pároco precisa
ser um homem de Deus que fez e faz uma profunda experiência de encontro
com Jesus Cristo. Essa vivência de discípulo fará o pároco ir ao
encontro dos afastados de sua comunidade; caso contrário, contentar-se-á
com aspectos da administração e promoverá uma pastoral de
conservação. O ministério sacerdotal tem uma forma comunitária radical
e só pode se desenvolver como tarefa coletiva.105
- O padre deve ser formado
para ser servidor do seu povo; capaz de acolher bem as pessoas e exercer
sua paternidade espiritual sem distinções. Por isso é fundamental
cuidar da formação permanente e a formação nos seminários de acordo
com essa visão de pastoral que considera a paróquia uma comunidade de
comunidades, tal como tem insistido a Igreja no Brasil a respeito da
formação presbiteral.106
5.3 Os diáconos permanentes
206. O Documento de Aparecida sugere que os diáconos permanentes,
acompanhem “a formação de novas comunidades eclesiais, especialmente nas
fronteiras geográficas e culturais, aonde ordinariamente não chega a ação
evangelizadora da Igreja”.107 Assim, a conversão paroquial supõe oportunamente a atuação de diáconos
permanentes, preferencialmente se eles estiverem morando nessas comunidades
urbanas ou rurais. O diácono permanente, inserido no “comum” da comunidade
pela sua dupla sacramentalidade, explicita a presença servidora de Cristo, e
constitui-se como sinal da unidade eclesial. Também a eles pode ser confiada
uma comunidade não territorial, como o atendimento a dependentes químicos, a
universidades ou a hospitais, por exemplo. Em caso de necessidade, a eles pode
ser confiada a administração de uma paróquia.
5.4 Os consagrados
- Os religiosos e as
religiosas, bem como os membros de Institutos Seculares, são chamados a
participar ativamente da renovação paroquial. Reconhece-se o importante
papel dos consagrados e consagradas que desenvolvem seu apostolado nas
paróquias, comprometidos diretamente com a ação pastoral, de acordo com
seus carismas.
- As religiosas, presentes em
muitas paróquias, contribuem com o crescimento do Povo de Deus,
particularmente junto às famílias e onde a vida é mais ameaçada.
Assumem a coordenação de paróquias quando se faz necessário e são
solicitadas. Poderão contribuir de maneira eficaz na renovação das
paróquias para que se tornem autênticas comunidades de comunidades.
- O apostolado dos consagrados
e consagradas, entretanto, apesar do seu caráter específico e
carismático, implica referência e comunhão com a diocese e seu plano de
pastoral. As paróquias confiadas a congregações ou ordens religiosas
fazem parte da Igreja local. É necessário que as famílias religiosas,
que receberam este serviço, se sintam e atuem em plena comunhão pastoral
com a Igreja Particular, evitando toda ação paralela. Suas promoções
vocacionais, seu trabalho em hospitais e escolas e suas diferentes
atuações devem estar alinhados com a diocese, para que o vínculo da
comunhão seja mantido. Tal vínculo não é apenas jurídico, mas,
especialmente, pastoral e missionário.
5.5 Os leigos
- A missão dos leigos deriva
do Batismo e da Confirmação: “A sua ação dentro das comunidades
eclesiais é tão necessária que, sem ela, o próprio apostolado dos
pastores não pode conseguir, na maior parte das vezes, todo o seu
efeito.” 108 O Concílio Vaticano II
tratou da atuação dos leigos na vida da Igreja e no mundo, testemunhando
Cristo além dos limites da comunidade de fé e colaborando diretamente
com as atividades pastorais.
- Para que leigos e leigas
possam superar o clericalismo e crescer em suas responsabilidades, é
preciso fomentar a sua participação nas comunidades eclesiais, nos
grupos bíblicos, nos conselhos pastorais e de administração paroquial.
O empenho para que haja a participação de todos nos destinos da
comunidade supõe reconhecer a diversidade de carismas, serviços e
ministérios dos leigos, até mesmo confiando-lhes a administração de
uma paróquia, quando a situação o exigir, como prevê o Código de
Direito Canônico.109
- Para que os fiéis leigos e
leigas possam assumir sua corresponsabilidade no trabalho pastoral e
testemunhem a fé cristã na vida pública, é urgente desencadear um
processo integral de formação, que seja programada, sistemática e não
meramente ocasional, considerando especialmente a Doutrina Social da
Igreja. Assim leigos e leigas se compreenderão como sujeitos da comunhão
eclesial e engajados na missão.110
- É preciso perceber e vencer
o clericalismo em relação à atuação dos leigos nas comunidades, como
alerta o Papa Francisco: “O pároco clericaliza, o leigo lhe pede, por
favor, que o clericalize, porque, no fundo, lhe resulta mais cômodo. O
fenômeno do clericalismo explica, em grande parte, a falta de maturidade
e de liberdade cristã em parte do laicato da América Latina.” 111
- Leigos e leigas devem
crescer na consciência de vocacionados a “ser Igreja” e precisam dispor
de espaço para atuarem na comunidade assumindo sua participação na
construção da comunidade de comunidades. Dentre os sujeitos da
conversão pastoral, merecem destaque as famílias, as mulheres, os
jovens, e os idosos.
5.5.1 A família
- A família encontra-se
confrontada com outras formas de convivência. Valorizar a família,
santuário da vida, os grupos de casais que se apoiam mutuamente,
promovendo encontros entre famílias, são exemplos de iniciativas para
conscientizar as pessoas sobre a importância da família na vida de cada
um, na comunidade e na sociedade.
- Por outro lado, constatam-se
políticas públicas que nem sempre respeitam essa célula fundamental da
sociedade. Muitos casais têm dificuldade de se unirem na fidelidade e no
amor, especialmente porque alguns apregoam que o mais importante é ser
feliz sem pensar nos demais: amor sem compromisso. A crise de afeto e a
dificuldade em criar vínculos atingem o indivíduo em seus
relacionamentos mais importantes, como o namoro e o casamento.
- Nas paróquias participam
pessoas unidas sem o vínculo sacramental, outras estão numa segunda
união, e há aquelas que vivem sozinhas sustentando os filhos. Outras
configurações também se constatam, como avós que criam netos ou tios
que sustentam sobrinhos. Crianças são adotadas por pessoas solteiras ou
do mesmo sexo, que vivem em união estável.
- A Igreja, família de
Cristo, precisa acolher com amor todos os seus filhos. Sem esquecer todo
ensinamento cristão sobre a família, é preciso usar de misericórdia.
Muitos se afastaram e continuam se afastando de nossas comunidades porque
se sentiram rejeitados, porque a primeira orientação que receberam
fundamentava-se em proibições e não em uma proposta de viver a fé em
meio à dificuldade. Na renovação paroquial, a questão familiar exige
conversão pastoral para não perder nada da Boa- Nova anunciada pela
Igreja e, ao mesmo tempo, não deixar de atender, pastoralmente, às novas
situações da vida familiar. Acolher, orientar e incluir nas comunidades
aqueles que vivem numa outra configuração familiar são desafios
inadiáveis.
5.5.2 As mulheres
219. A maioria das comunidades paroquiais conta com uma intensa
participação de mulheres. Elas predominam na catequese e nos grupos de
liturgia. São ministras, visitam os enfermos e atuam na acolhida. São muitos
os serviços e ministérios que dependem delas na comunidade. “As mulheres constituem, geralmente, a maioria de
nossas comunidades. São as primeiras transmissoras da fé e colaboradoras dos
pastores”.112
220. Reconhecer seu valor e sua missão na paróquia é um dever de todos.
Não se trata apenas de salientar suas qualidades de serviço, mas a sua
própria feminilidade que colabora com a vida paroquial, como bem afirmou o
Papa Francisco: “Uma Igreja sem as mulheres é como o Colégio Apostólico sem
Maria. O papel das mulheres na Igreja não é só a maternidade, a mãe de
família, mas é mais forte: é precisamente o ícone da Virgem Maria, de Nossa
Senhora; aquela que ajuda a crescer.” 113 Aparecida afirma que “todas as mulheres precisam participar plenamente da
vida eclesial favorecendo espaços e estruturas que promovam a maior
inclusão.” 114 A Evangelii Gaudium insiste que a presença das
mulheres deve ser garantida nos diversos âmbitos onde se tomam as decisões
importantes na Igreja e na sociedade.115
5.5.3 Os jovens
- A paróquia precisa ter
abertura para incentivar a presença e a atuação dos jovens cristãos.
É importante considerar que “a juventude mora no coração da Igreja,” 116 o que implica encontrar
formas adequadas para anunciar o amor de Jesus Cristo a todos os jovens.
Trata-se de fazer uma opção afetiva e efetiva pelos jovens, considerando
suas potencialidades. Para isso, é importante garantir espaços adequados
para eles nas paróquias, com atividades, metodologias e linguagem
próprias, assegurando a participação e o engajamento comunitário.
Também se dê atenção aos jovens que vivem em situação de risco e
exclusão social.
- Geralmente, os jovens
apreciam participar de campanhas de solidariedade, voluntariado e
atividades da comunidade. Têm seu jeito próprio de ser e se expressar e,
por isso mesmo, são a riqueza de uma comunidade. Eles têm ousadia e
destemor para vencer a comodidade e dar testemunho da vivência cristã
numa sociedade de contrastes. Adultos e idosos podem aprender muito com a
juventude e sua inquietude diante da realidade. Que lamentável é a
existência de uma comunidade que não atrai os jovens! “Sem o rosto jovem
a Igreja se apresentaria desfigurada”117
- Buscar novos meios de
comunicação, especialmente as redes sociais para cativar os jovens, é
uma tarefa que depende muito da presença da juventude nas comunidades.
Eles interagem facilmente nas ambiências digitais e conhecem espaços
virtuais que desafiam a missão evangelizadora.
- Aos jovens cristãos cabe
escutar as palavras do Papa Francisco que lhes sugere vencer as tentações
da cultura do provisório e do relativo, que apregoa apenas “curtir” o
momento. O Papa pede que os jovens se rebelem contra essa cultura do
provisório. Ele confia e reza para que tenham a coragem de ir contra a
corrente, para serem realmente felizes.118
5.5.4 Os idosos
225. Nas comunidades encontram-se muitos idosos que participam da vida
paroquial. Nem sempre eles são escutados em suas preocupações. É preciso
superar a noção de contraposição entre a idade da força, dos jovens, e a
idade da fragilidade, dos idosos. Em muitas
culturas, os mais velhos são testemunhas da história e herdeiros
privilegiados do tesouro cultural da comunidade. A comunidade paroquial há de
resgatar esses valores.
226. Há idosos vivendo na solidão, que precisam conversar com amigos e
participar de encontros, evitando o isolamento. Frequentar a comunidade
paroquial é muito importante para fortalecer os laços de amizade e suportar
as dificuldades. Assim se desenvolve uma vida em fraternidade, que é uma
alternativa salutar à solidão e ao abandono.
227. Para muitos idosos, a comunidade paroquial representa uma nova família,
onde são acolhidos, valorizados e cuidados. Toda comunidade cristã deveria
encontrar espaços de convivência para seus idosos. Não se trata de organizar
apenas eventos com idosos, mas principalmente de oferecer oportunidades para
jovens e crianças crescerem na amizade com os idosos da comunidade. Todos se
beneficiarão dessa convivência.
5.6 Comunidades Eclesiais de Base
228. As CEBs são um instrumento que permite ao povo “chegar a um conhecimento
maior da Palavra de Deus, ao compromisso social em nome do Evangelho, ao
surgimento de novos serviços leigos e à educação da fé dos adultos”.119
Elas “trazem um novo ardor evangelizador e uma capacidade
de diálogo com o mundo que renovam a Igreja”, mas para isso é preciso que
elas “não percam o contato com esta realidade muito rica da paróquia local.120
“Mantendo-se em comunhão com seu bispo, e
inserindo-se no projeto da pastoral diocesana, as CEBs se convertem em sinal de
vitalidade na Igreja Particular.”121
229. As CEBs constituem “em nosso país, uma realidade que expressa um dos
traços mais dinâmicos da vida da Igreja”122
e continuam sendo um “sinal da vitalidade da
Igreja.123 Por isso, “como pastores, atento
à vida da Igreja em nossa sociedade, queremos olhá- las com carinho, estar à
sua escuta e tentar descobrir através de sua vida, tão intimamente ligada à
história do povo no qual elas estão inseridas, o caminho que se abre diante
delas para o futuro”.124 As CEBs são a presença da
Igreja junto aos mais simples, comprometendo-se com eles em buscar uma
sociedade mais justa e solidária. Elas constituem “uma forma privilegiada de
vivência comunitária da fé, inserida no seio da sociedade em perspectiva
profética”.125 Também elas são desafiadas a
não esmorecer diante dos desafios impostos pelo atual contexto de mudança de
época.126
230. As CEBs se caracterizam, em geral pela formação de comunidades
territorialmente estabelecidas, com forte acento missionário e ligado ao
compromisso sociotransformador. Tendo a sua centralidade na Palavra de Deus, na
Eucaristia e no valor do pequeno grupo que forma a comunidade, a fraternidade e
a solidariedade que engajam o cristão em favor do Reino de Deus, as CEBs
contribuem com a conversão pastoral da paróquia.
5.7 Movimentos e associações de
fiéis
231. Os movimentos e associações de fiéis127
são sinais da Providência de Deus para a Igreja
de hoje. A Igreja do Brasil conhece uma
multiplicidade de novas experiências que enriquecem
a eclesialidade. Em muitas paróquias, conta-se com a presença de movimentos
de leigos que se envolvem na pastoral paroquial. Eles reúnem casais, jovens e
outras pessoas para lhes dar formação e propor um caminho para seguir Jesus.
Muitos são engajados em comunidades e há outros que fazem um caminho mais
autônomo. Integrá-los é uma missão para tornar a paróquia mais rica em
serviços, ministérios e testemunho.
232. A paróquia há de desenvolver com os movimentos e associações de fiéis
a capacidade de reunir pessoas no sentido transterritorial. Eles são, sem
dúvida, escolas ou linhas de espiritualidade que atraem muitas pessoas,
especialmente em contexto urbano, onde há grande busca de sentido para a vida.
Eles se organizam em torno de carismas específicos doados pelo Espírito
Santo. A Igreja sempre acolheu a diversidade de carismas.
233. O grande desafio, contudo, consiste na vivência da comunhão e na pastoral
de conjunto da diocese e das comunidades. Os movimentos e associações de
fiéis, por terem organização supradiocesana, muitas vezes, recebem
orientações independentes da diocese, e não raras vezes surgem desconfortos
nas suas relações com as paróquias e as comunidades. Tais grupos têm
direito de reivindicar sua presença nas dioceses, mas alguns têm receio de
que o plano de pastoral lhes prive do carisma especifico. Às vezes, alguns
planos pastorais são muito fechados para acolher os movimentos, e, em alguns
ambientes, há certo preconceito em relação a eles.
234. A tarefa, portanto, consiste em encontrar caminhos de diálogo, renúncias
e opções que possibilitem a comunhão. Isso supõe empenho e abertura dos
movimentos e associações para se integrarem nas comunidades e igualmente
abertura e acolhimento das paróquias para valorizar pessoas e carismas
diferenciados. Todos merecem orientações pastorais concretas que proporcionem
fecunda contribuição à vivência da fé, participação da vida da Igreja e
para a evangelização no mundo de hoje. Neste sentido, convém observar os
critérios de eclesialidade para as agregações laicais contidos na
Exortação Apostólica Christifideles Laici: a vocação universal à santidade; a fidelidade à sã doutrina; a
participação na vida e missão da paróquia; a comunhão com o plano pastoral
diocesano; a colaboração na transformação social à luz da doutrina social
da Igreja.128
235. Vale recordar que “movimentos e associações não podem colocar-se no
mesmo plano das comunidades paroquiais como possíveis alternativas. Ao
contrário, têm o dever de serviço na paróquia e na Igreja particular. E é
nesse serviço que é dado na estrutura paroquial ou diocesana que se revelará
a validade das respectivas experiências no interior dos movimentos e
associações.”129 Movimentos e associações de
fiéis não podem alimentar pretensões de totalidade. De outra parte, a
paróquia não tem direito de excluir ou negar a existência de movimentos e
associações que expressam a multiforme graça de Deus com seus dons e
carismas entre os leigos.
236. A esse respeito, o Papa Francisco exorta as comunidades, movimentos e
associações dizendo que “é muito salutar que não percam o contato com esta
realidade muito rica da paróquia local e que se integrem de bom grado na
pastoral orgânica da Igreja particular. Esta integração evitará que fiquem
só com uma parte do Evangelho e da Igreja, ou que se transformem em nômades
sem raízes.”130
5.8 Comunidades ambientais e transterritoriais
237. Verifica-se a existência de comunidades cristãs ambientais ou
transterritoriais formadas por grupos de moradores de rua, universitários,
empresários ou artistas, por exemplo. Os hospitais também constituem uma
verdadeira comunidade no serviço à vida. Os enfermos, os profissionais de
saúde, os funcionários e a administração de centros hospitalares exigem uma
atenção da Igreja que ultrapassa as ações de visita aos doentes ou às
capelanias. É preciso pensar e planejar a ação evangelizadora nesses
ambientes, integrando-os à paróquia.
238. As escolas também podem ser comunidades dentro das paróquias.
Especialmente os colégios católicos são chamados a viver a vida religiosa
integrada à vida paroquial. Apesar do atendimento religioso que se realiza nas
escolas, há dificuldades de se efetivar uma pastoral de conjunto com a
paróquia. Esta, por sua vez, precisa aproximar-se dos espaços educativos,
públicos ou privados, presentes em seu território para favorecer a
evangelização.
239. Outro tipo de comunidade são as universidades, consideradas um grande
areópago na busca do diálogo entre fé e razão. Não se trata apenas de
oferecer atendimento religioso ao mundo acadêmico, mas marcar uma presença
cristã nessa importante instância da sociedade. A Pastoral Universitária
pode favorecer o crescimento dessa comunidade cristã em meio acadêmico. É
preciso entrar em contato e promover o crescimento desses grupos, como
comunidades cristãs capazes de evangelizar diferentes ambientes. Cada uma
dessas comunidades tem demandas específicas que clamam pela Boa-Nova de
Cristo.
5.9 Breve conclusão
240. O desafio da renovação paroquial está em estimular a organização das
diversas pessoas e comunidades, para que promovam uma intensa vida de discípulos
missionários de Jesus Cristo. Isso se realiza pelo vínculo e pela partilha da
caminhada, mas também pelo planejamento pastoral: “Através de todas as suas
atividades, a paróquia incentiva e forma os seus membros para serem agentes da
evangelização.” 131
241. A paróquia é fundamental para a missão evangelizadora, porém
insuficiente ao se considerar outras realidades eclesiais. A complexidade da
realidade atual requer meios de evangelização e recursos que não se limitam
à paróquia. E coexistem outras organizações eclesiais que precisam estar
sempre em comunhão com a paróquia: a vida consagrada, movimentos
apostólicos, associações de fiéis.
Capítulo 6
PROPOSIÇÕES PASTORAIS
242. Antes de apresentar algumas pistas de ação para a conversão pastoral da
paróquia em comunidade de comunidades, é preciso superar a tentação de uma
postura pastoral, que pretende contar apenas com os esforços humanos para
evangelizar: “Há uma tentação que sempre insidia qualquer caminho espiritual
e também a ação pastoral: pensar que os resultados dependem da nossa
capacidade de agir e programar. É certo que Deus nos pede uma real
colaboração com a sua graça, mas ai de nós se esquecermos que, ‘sem Cristo
nada podemos fazer’ (cf. Jo 15,5).”132
243. É preciso recuperar o primado de Deus e o lugar do Espírito Santo em
nossa ação evangeli-zadora, pois “nunca será possível haver evangelização
sem a ação do Espírito Santo”.133
6.1 Comunidades da comunidade
paroquial
244. A grande comunidade, praticamente impossibilitada de manter os vínculos
humanos e sociais entre todos, pode ser setorizada em grupos menores. A
paróquia descentraliza seu atendimento e favorece o aumento de líderes e
ministros leigos e vai ao encontro dos afastados. Não se deixa a referência
territorial das comunidades maiores, mas se criam novas unidades sem tanta
estrutura administrativa.
245. A setorização é um meio. Não basta a demarcação de territórios, é
preciso identificar quem vai pastorear, animar e coordenar as pequenas
comunidades. Sem essa preparação, a simples setorização não renova a vida
paroquial. Facilmente o grupo se enfraquece por falta de liderança. O
protagonismo dos leigos supõe preparar bem os animadores das comunidades.
Será preciso também um novo planejamento da paróquia como rede, evitando a
concentração de todas as atividades na matriz. Mais do que multiplicar o
trabalho do pároco, trata-se de uma nova organização, com maior delegação
de responsabilidades para leigos e religiosos que atuam na paróquia. Uma
estrutura mais simples garantirá que as pessoas se empenhem mais em viver na
comunidade. Isso evitará que a comunidade se estruture como uma microparóquia
com cadastros, burocracia e serviços que não precisam ser repetidos na pequena
comunidade.
246. Ao afirmar que são “pequenas” comunidades, indica-se que são formadas por
um pequeno grupo de pessoas, onde todos se conhecem, partilham a vida e
cuidam-se uns dos outros, como discípulos missionários de Cristo. Mesmo as
capelas e comunidades - estabelecidas nas paróquias como local de celebração
- poderiam multiplicar a formação desses grupos menores e denominá-los pequenas comunidades, no sentido de ampliar a interação e o engajamento de muitas pessoas.
247. O início da formação dessas pequenas comunidades pode ser com as pessoas
que já estão atuando em pastorais, serviços e movimentos na paróquia. Elas
precisam de uma experiência mais comunitária do discipulado. Em seguida
devem-se expandir para atrair especialmente aqueles que apenas participam da
missa ou da celebração sem nenhum engajamento. O processo seguinte deverá
ser missionário, buscando, atraindo e acolhendo aqueles que estão afastados
da paróquia para que se integrem numa comunidade.
248. Onde for possível setorizar territorialmente a paróquia, que assim seja
feito! Onde não o for, siga-se o critério da adesão por afeto ou interesse.
Podem ser comunidades
afetivas, organizadas a partir de carismas, transcendendo os limites do
território físico e se organizando em torno de espaços de interesse.134
As afinidades podem ser entre jovens,
universitários, idosos, casais, etc.
249. Quando se observa a tentativa de se estabelecerem grupos de reflexão e
oração em grandes edifícios ou condomínios e a meta é a setorização ou
vizinhança, logo se enfrenta a dificuldade de formar os grupos. Isso diz
respeito ao fato de que, nas grandes cidades, vizinhança geográfica não
significa necessariamente partilha de vida. Geralmente, quem menos se conhece
é o vizinho de porta.
250. Não se pode, sem mais, imaginar que os moradores de um mesmo território
queiram estabelecer vínculos humanos a ponto de formarem comunidades de fé.
Nos lugares de grande urbanização, a recusa em abrir as casas pode ser um
fator complicador. Haverá, então, pequenos grupos que poderão ser formados
por moradores de um edifício, mas haverá também pequenos grupos que poderão
se formar com moradores de locais distintos e mesmo distantes.
251. A frequência dos encontros da comunidade pode ser semanal, quinzenal ou
mensal. Depende da situação das pessoas. A agitação de centros urbanos
espaçará mais o tempo; em regiões rurais, o ritmo da vida poderá permitir
encontros mais frequentes. O importante é garantir encontros regulares e uma
comunicação entre os membros da comunidade, de modo que traduza interesse e
compromisso de amizade e fraternidade.
252. O fundamento da comunidade está na Palavra de Deus e na Eucaristia. A
Leitura Orante da Bíblia e os Círculos Bíblicos são importantes para que a
Palavra determine a caminhada do pequeno grupo. Nessa comunidade podem surgir
vocações para os serviços e ministérios: o cuidado aos doentes, a visita
aos migrantes, a catequese, a celebração da Palavra, o acompanhamento aos
enlutados, a preocupação com os pobres, a preparação ao Sacramento do
Batismo e outros. Igualmente, poderão ser desenvolvidos espaços para celebrar
a vida, como a comemoração dos aniversários e as confraternizações. O
apoio nas dificuldades e a alegria das conquistas pessoais e comunitárias.
Esses são alguns exemplos da riqueza que pode ser desenvolvida nesses pequenos
grupos.
253. A paróquia pode oferecer a possibilidade de formar pequenas comunidades
que se reúnam em diversos pontos, em horários e dias diferentes, de maneira
que os paroquianos possam ter opções. O importante é criar comunidades com
pessoas que se integrem para melhor viver a fé cristã.
254. Essas comunidades, ao viver um espírito de abertura missionária,
acolherão novas pessoas. Essa será uma excelente proposta de itinerário para
a vivência da fé a ser oferecida aos que procuram um engajamento na
comunidade ou paróquia. Para garantir os encontros das comunidades, a diocese
ou a paróquia poderá criar subsídios que as ajudem.
255. Estes subsídios das comunidades poderiam seguir a metodologia da Leitura
Orante da Bíblia, que garante uma pedagogia interativa, na qual todos podem
participar e crescer na escuta da Palavra de Deus. Partindo da Leitura Orante
da Bíblia, o grupo se estende para outras dimensões: como a catequese, a
caridade, a formação da consciência crítica, etc. O importante é que a
comunidade faça o seu caminho, sempre unida à Palavra, à oração, à
comunhão fraterna e ao compromisso de serviço aos pobres.
256. Na comunidade, as pessoas são acolhidas, superando o anonimato, têm
vínculo de pertença e se reúnem não apenas para questões religiosas, mas
para crescer na vida como seguidoras de Jesus Cristo. O encontro eucarístico
pode ser na igreja paroquial ou na capela que reúne as muitas comunidades numa
única comunidade eucarística, sinal de unidade e comunhão.
6.2 Acolhida e vida fraterna
257. A comunidade paroquial não desconhece a possibilidade de tensões e
dissensões e, por isso, pede e concede o perdão: “Lembra-te, Senhor, de tua
Igreja, para livrá-la de todo o mal e aperfeiçoá-la com teu amor.” 135
Assim, as pessoas acolhem e oferecem o perdão,
porque sabem que a comunidade é o lugar da reconciliação.
258. A conversão pastoral supõe rever as relações que existem entre as
pessoas. Quando a inveja, a fofoca e os interesses pessoais ferem a unidade da
comunidade, a comunhão fica comprometida. Há quem comunga o Cristo na
Eucaristia e despreza seu irmão de comunidade com palavras, gestos e omissões.
Dessa forma, não se vive a comunhão, pois quem diz que ama a Deus que não
vê e odeia a seu irmão que vê, é mentiroso (cf. 1Jo 4,20). A vida comunitária não está baseada em
assumir cargos ou atuar em serviços na paróquia; trata-se de ser autêntico
discípulo de Jesus Cristo.
259. A missão que se impõe às comunidades paroquiais é rever o
relacionamento humano que nelas se estabelece. A alegria, o perdão, o amor
mútuo, o diálogo e a correção fraterna são apenas alguns indicativos para
essa revisão. Não será possível acolher os afastados se aqueles que estão
na comunidade vivem se desencontrando. Aliás, algumas comunidades não
conseguem ser missionárias justamente porque vivem de forma tão apática ou
conflituosa em suas relações que mais afastam do que atraem novos membros.
260. A comunidade pode se inspirar no relato de Tertuliano sobre os primeiros
cristãos. Eles tomavam tão a sério as palavras do Senhor: “Nisto conhecerão
todos que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros” (Jo 13, 35) – que as outras pessoas e
grupos afirmavam admirados: “Vede como eles se amam!”136
O amor fraterno, a amizade e a caridade com todos
são aspectos irrenunciáveis de uma comunidade cristã. Testemunhando o amor
fraterno a paróquia será missionária. Quando se propõe renovar a paróquia
como comunidade de comunidades, mais do que imaginar ou criar novas estruturas,
trata-se de recuperar as relações interpessoais e de comunhão.
261. Comunidade missionária, portanto, é comunidade acolhedora. Diante do
grande número de batizados afastados da vida comunitária urge exercer melhor
a acolhida, dialogando e propondo caminhos àqueles que se sentem distanciados.
Muita gente procura os sacramentos, mas vive afastada da comunidade. Essa é
uma importante oportunidade de aproximar os afastados. Uma mensagem mais direta
e uma acolhida autêntica podem reunir aqueles que se sentem distantes.
262. Acolher melhor é uma tarefa urgente especialmente das secretarias
paroquiais, superando a burocracia, a frieza, a impessoalidade e estabelecendo
relações mais personalizadas. É importante escutar atentamente a demanda de
cada pessoa, discernindo o que deve ser encaminhado, procurando deixar claras
as razões do sim e do não, sempre através do diálogo paciente e respeitoso.
Afinal, a secretaria paroquial é uma porta de entrada para a comunidade.
263. A evangelização só será possível quando essa acolhida priorizar a
escuta do outro para conhecer suas angústias e esperanças. Essa dimensão intersubjetiva
da pastoral não pode estacionar nos serviços individuais do atendimento
religioso, mas deverá suscitar a participação, o envolvimento e o
compromisso na comunidade e na sociedade.
264. Muitas pessoas procuram a Igreja nos momentos difíceis. A comunidade
cristã precisa acolhê-las com carinho. Para oferecer acolhida e
aconselhamento, a comunidade deverá também preparar pessoas leigas e
consagradas que tenham o dom de escutar, para acolher aqueles que procuram a
comunidade. O aconselhamento pastoral a ser dado por pessoas habilitadas é uma
urgência nas paróquias. O Papa Francisco, entretanto, sugere que a comunidade
seja uma “Igreja capaz de fazer companhia, de ir para além da simples escuta;
uma Igreja que acompanha o caminho pondo-se em viagem com as pessoas.” 137
Portanto, não se trata de simples escuta, mas de
proximidade e acompanhamento das pessoas.
265. Disso decorre a necessidade de oferecer, com maior frequência, o
Sacramento da Reconciliação. O atendimento individualizado oportunizará um
acompanhamento espiritual e uma orientação para a vida em comunidade. Essa
missão depende da urgente alteração da agenda do pároco que pode delegar
funções administrativas aos leigos competentes para tal, para ficar mais
disponíveis.
266. Para acolher a todos é necessário receber cada pessoa na sua condição
religiosa e humana sem colocar, de imediato, obstáculos doutrinais e morais
para a sua chegada. Trata-se de uma atitude misericordiosa da Igreja. Durante o
caminho da fé, a pessoa será orientada a uma conversão e conhecerá a
doutrina e a moral cristãs, num processo gradual. Na pedagogia divina, o
abraço materno da Igreja vem antes de tudo.
267. Enfim, a conversão pastoral da paróquia faz com que ela seja uma
instância de acolhida e missão; uma casa de portas sempre abertas para
promover a cultura do encontro. Um dos sinais de abertura e acolhimento é
deixar as portas da igreja, ou capela, abertas para que as pessoas possam rezar
sempre que desejarem. Nem sempre é fácil deixar a igreja aberta devido a
problemas de segurança, mas de alguma maneira se deveria vencer as
resistências a encontrar possibilidades. Outro importante gesto seria rever os
horários das celebrações: missas ao meio-dia, atendimento do padre à noite
e missa com jovens em horários alternativos são apenas alguns exemplos de uma
pastoral missionária.
6.3 Iniciação à vida cristã
268. Para que as comunidades sejam renovadas, devem ser casa de Iniciação à
vida cristã, onde a catequese há de ser uma prioridade. Um novo olhar
permitirá uma nova prática. A catequese, como iniciação à vida cristã,
ainda é desconhecida em muitas comunidades. Um dos grandes desafios da
pastoral paroquial é fazer com que os membros das comunidades cristãs
percebam o estreito vínculo que há entre Batismo, Confirmação e Eucaristia.
269. Pretende-se passar da catequese como mera instrução e adotar a
metodologia ou processo catecumenal, conforme a orientação do Ritual da
Inciação Cristã de Adultos e do Diretório Nacional da Catequese. Nesse
sentido, padres, catequistas e a própria comunidade precisam de uma conversão
pastoral para rever a catequese de adultos, jovens, adolescentes e crianças.
É indispensável seguir os tempos e etapas do catecumenato e propor, mesmo para
os membros da comunidade, uma formação catecumenal que percorra os processos
da iniciação, desde o querigma e conversão, até o discipulado, a comunhão
e a missão.
270. Só haverá revitalização das comunidades com uma catequese centrada na
Palavra de Deus, expressão maior da animação bíblica da pastoral. A
catequese “tem de ser impregnada e embebida de pensamento, espírito e atitudes
bíblicas e evangélicas, mediante um contato assíduo com os próprios textos
sagrados.”138
6.4 Leitura Orante da Palavra
271. Sendo Casa da Palavra, a paróquia há de promover uma nova evangelização. Muitos paroquianos
ainda não se familiarizaram com a Bíblia. A Palavra é saboreada na
experiência comunitária da Leitura Orante. A Palavra, dirigindo-se a cada um
pessoalmente, é também a Palavra que edifica a comunidade e a Igreja. Assim,
a Palavra de Deus torna-se a contínua animação da vida e da pastoral de
todos os membros da comunidade.139 Somente em comunidade e em comunhão com a Igreja, a pessoa poderá ler a
Bíblia sem reducionismos intimistas, fundamentalismos e ideologias.
272. Especial importância adquire a homilia, centrada nas leituras da Bíblia,
proclamadas na celebração e confrontada com a realidade. Ela precisa ser
breve e capaz de falar a linguagem dos homens e das mulheres da cultura atual.
Pela homilia, a comunidade é levada a descobrir a presença e a eficácia da
Palavra de Deus em sua vida. Quem recebe a missão de pregar deve evitar
discursos genéricos e abstratos, que ocultam a simplicidade da Palavra de
Deus, ou divagações inúteis que ameaçam atrair a atenção mais para o
pregador do que para a mensagem evangélica. Isso implica preparar a homilia
com meditação e oração, a fim de pregar com convicção e paixão.140
Nesse sentido, vale recordar o questionamento do
Papa Francisco: “Como são as nossas homilias? Estão próximas do exemplo de
Nosso Senhor, que ‘falava como quem tem autoridade’, ou são meramente
perceptivas, distantes, abstratas?” 141
273. A exortação apostólica Verbum Domini recomenda a celebração da Palavra de Deus, como ocasião privilegiado de
encontro com o Senhor, “nas comunidades onde não é possível, por causa da
escassez de sacerdotes, celebrar o Sacrifício Eucarístico nos dias festivos
de preceito.”142 Contudo, é fundamental oferecer
uma boa formação aos ministros da Palavra, especialmente conhecimento
litúrgico e técnicas de comunicação, para que possam exercer seu
ministério com bom êxito. Muitas comunidades sentem a alegria de se encontrarem
para a celebração da Palavra quando o ministro é humilde, acolhedor e
reflete a Palavra de forma simples e direta. De outra forma, muitas comunidades
têm fraca participação nas celebrações justamente porque os ministros não
estão suficientemente preparados ou acolhem friamente. O que é dito dos
ministros leigos, também se aplica aos ministros ordenados.
6.5 Liturgia e espiritualidade
274. Após o Concílio Vaticano II, nas celebrações litúrgicas buscou-se
maior participação da assembleia. Entretanto, algumas experiências têm
mostrado que às vezes se fala demais e se reza pouco. Corre-se o risco de
algumas celebrações serem realizadas sem a espiritualidade devida. Tanto os
ministros ordenados quanto as equipes de liturgia precisam vivenciar o que
celebram. De outra forma, algumas celebrações não remetem ao mistério e
reduzem a liturgia ao encontro das pessoas entre si. Comentários infindáveis,
cânticos desalinhados com a Palavra, homilias longas e a ausência de momentos
de silêncio são alguns dos aspectos que merecem revisão.
275. Na celebração eucarística, a comunidade renova sua vida em Cristo. A
Eucaristia é escola de vida cristã. A adoração ao Santíssimo Sacramento, o
prolongamento da celebração eucarística,143
educa a comunidade para permanecer unida em Cristo.
É necessário evitar a separação entre culto e misericórdia, liturgia e
ética, celebração e serviço aos irmãos. O Cristo reconhecido na Eucari-stia
remete ao encontro e serviço aos pobres.
276. As comunidades eclesiais que se reúnem em torno da Palavra precisam
valorizar o domingo, o Dia do Senhor, como o dia em que a família cristã se
encontra com o Cristo. O domingo, para o cristão, é o dia da alegria, do
repouso e da solidariedade.144 A celebração eucarística ou a celebração da Palavra é o momento mais
importante da semana daqueles que participam das comunidades.
277. Milhares de comunidades não têm oportunidade de participar da Eucaristia
todos os domingos. Também elas devem e podem viver o Dia do Senhor com a
celebração dominical da Palavra, “que faz presente o Mistério Pascal, no
amor que congrega (cf. Jo 3,14), na Palavra acolhida (cf. Jo 5,24-25) e na oração comunitária (cf. Mt 18,20)”.145 No entanto, torna-se urgente a busca de soluções duradouras para que as
comunidades possam contar com a celebração da Eucaristia.
278. A rede de comunidades não dispensa que a igreja matriz, ou as demais
igrejas da paróquia ofereçam uma intensa vida espiritual, celebrativa e
caritativa. As igrejas deveriam manter sua qualidade atrativa para fomentar a
espiritualidade das pequenas comunidades sem substituir a experiência do
pequeno grupo. Nas igrejas da paróquia, celebra-se a Eucaristia, promovem-se
retiros e dias de espiritualidade, vive-se o Sacramento da Reconciliação. A
vida litúrgica e o cultivo da espiritualidade precisam ser pontos fortes nas
igrejas da paróquia, pois são centros que fortalecem as comunidades pequenas
e podem atrair aqueles que estão afastados.
279. A verdadeira celebração e a oração exigem conversão e não criam fugas
intimistas da realidade, ao contrário, remetem à solidariedade e à
alteridade. Infelizmente, muitas experiências de oração se desenvolvem sem
essa dimensão. Pela oração superam-se o desânimo e o cansaço diante da
missão.
280. É importante valorizar a religiosidade popular como lugar de encontro com
Cristo, pois a participação na sagrada liturgia não abarca toda experiência
espiritual que se manifesta em diversas devoções e práticas religiosas. A
piedade popular, porém, precisa ser impregnada pela Palavra de Deus e
conduzida ao centro da vida litúrgica, isto é, à ̧ão o mistério pascal.
Especialmente a devoção mariana será uma oportunidade privilegiada para
acessar o caminho do seguimento de Jesus. O carinho que o povo católico dedica
à Virgem Maria expressa sua confiança na intercessão da Mãe de Deus e a
relação materna que se realiza entre o fiel e Nossa Senhora. Há muito a
aprender na religiosidade mariana, o que supõe respeito à cultura,
discernimento na busca de Deus presente na piedade popular e condução de
todas as práticas religiosas ao mistério pascal.
6.6 Caridade
281. As comunidades da paróquia precisarão acolher a todos, em especial os
moralmente perdidos e os socialmente excluídos, “para que todos tenham vida” (Jo, 10,10). Eles deverão encontrar
aconchego e espaço de vida entre aqueles que seguem Jesus Cristo. Ele continua
a convidar: “Vinde a mim todos vós que estais cansados e sobrecarregados de
fardos, e eu vos darei descanso” (Mt, 11,28).
282. O amor ao próximo, radicado no amor de Deus, é um dever de toda a
comunidade eclesial.146 “A caridade cristã é, em
primeiro lugar, simplesmente a resposta àquilo que, numa determinada
situação, constitui a necessidade imediata: os famintos devem ser saciados,
os nus vestidos, os doentes tratados para se curarem, os presos visitados,
etc.” 147 O cuidado com os necessitados
impele a comunidade a defender a vida desde a sua concepção até o seu fim
natural.
283. Sem dispensar as muitas iniciativas já existentes na prática da caridade,
as paróquias precisam acolher fraternalmente todos, especialmente os que
estão caídos à beira do caminho. Dependentes químicos, migrantes,
desempregados, dementes, moradores de rua, sem-terras, soropositivos, doentes e
idosos abandonados são alguns rostos que clamam para que a comunidade lhes
apresente, concretamente, atitudes do Bom Samaritano.
284. Igualmente há situações nas famílias e na sociedade que merecem
acolhida e caridade da Igreja como a situação dos divorciados, dos casais em
segunda união, dos homossexuais, dos solitários e dos deprimidos. Também os
doentes mentais, que tantas vezes entram na igreja durante as celebrações,
merecem o carinho de quem é discípulo de Jesus Cristo.
285. A comunidade há de marcar presença também diante dos grandes desafios da
humanidade: defesa da vida, ecologia, ética na política, economia solidária
e cultura da paz. Por isso a paróquia, como comunidade servidora e protetora
da vida, tem condições de favorecer a educação para o pleno exercício da
cidadania e implementar uma pastoral em defesa da integridade da Terra e do
cuidado da biodiversidade.148
286. Algumas iniciativas não são fáceis de ser aplicadas, mas são urgentes.
Uma delas é evitar a comercialização e o consumo de álcool nos espaços da
comunidade. Especialmente nas festas dos padroeiros e outros eventos
religiosos, a venda de bebida alcoólica contrasta com os programas de defesa
da vida e combate à drogadição que a Igreja promove. Uma das drogas mais
ameaçadoras da sociedade é o álcool. Entretanto, algumas paróquias, em
razão de questões financeiras, culturais ou porque “sempre foi assim”, caem
nessa contradição grave. Será preciso encontrar saídas alternativas para a
manutenção da comunidade, como a partilha do dízimo. É urgente a conversão
das comunidades paroquiais para evitar o contratestemunho de promover o consumo
de álcool em quermesses ou outras atividades recreativas da comunidade.
6.7 Conselhos, organização
paroquial e manutenção
287. A comunidade de comunidades é a casa dos discípulos-missionários. Para o seu bom funcionamento, é
preciso comunhão e participação que exigem engajamento, tanto na provisão
de recursos quanto na administração paroquial. A responsabilidade de
sustentar a comunidade paroquial é um compromisso de todo cristão. Ofertas,
campanhas e festas podem ajudar, mas a colaboração há de ser organizada,
frequente e generosa. A formação, a manutenção do patrimônio e as novas
exigências da evangelização supõem recursos. Mesmo que a comunidade
paroquial seja pobre, é fundamental exercer a partilha como sinal de comunhão
de bens.
288. Há paróquias que já avançaram na organização do dízimo, outras
estão formando a consciência dessa participação. É muito importante,
porém, que a implantação do dízimo garanta o seu sentido comunitário:
“Deus ama a quem dá com alegria” (2Cor 9,7). É a alegria de doar com liberdade e consciência de ser um sinal de
partilha. Evite- se, entretanto, o sentido de taxa ou mensalidade e a ideia de
retribuição, segundo a qual é preciso doar para receber a bênção.
Igualmente cuide-se para não exagerar nas campanhas de conscientização que
muitas vezes causam reação negativa, especialmente entre aqueles que estão
afastados da comunidade eclesial. A participação financeira na partilha de
recursos com a comunidade paroquial deverá ser um processo desencadeado pelas
pequenas comunidades que formam seus discípulos missionários.
289. A formação de pequenas comunidades na grande paróquia favorece a
subsidiariedade, por meio da qual tudo o que é possível ser feito em termos
locais não pode ser delegado a outro nível. Isso garantirá a participação
de mais pessoas na vida da comunidade paroquial. Há muito a ser feito em
sentido local, para que todos possam sentir-se protagonistas na comunidade
cristã.
290. A sociedade atual vive na interatividade. As pessoas participam, opinam e
se posicionam sobre diferentes realidades do mundo. A conversão pastoral
supõe considerar a importância dos processos participativos de todos os
membros da comunidade paroquial. Para desencadear essa participação, é
preciso estimular o funcionamento do Conselho
de Pastoral Paroquial. O Conselho de Assuntos Econômicos também é
determinante para a administração dos bens, manutenção e planejamento
financeiro da paróquia. Esses conselhos são organismos de participação do
laicato.149 Do Conselho de Pastoral Paroquial deve fazer
parte o coordenador do Conselho de Assuntos Econômicos.
291. É necessário, contudo, haver concordância entre o Conselho Pastoral
Paroquial e o Conselho de Assuntos Econômicos. Para isso, ambos os conselhos
precisam ser formados por discípulos missionários, pessoas que participam
ativamente da vida da Igreja. Especialmente o Conselho de Assuntos Econômicos
não pode ser uma “diretoria” ocupada apenas com construções e reformas. Os
leigos precisam ser apoiados financeiramente em suas comunidades, seja para a
realização de cursos e encontros, seja para manter a unidade com a diocese,
seja para aprofundar o conhecimento de seu serviço e pastoral. Para superar
uma mentalidade que reduz a administração à manutenção e construção de
bens materiais é preciso proporcionar formação específica para os membros
do conselho de assuntos econômicos. As decisões sobre reformas e
construções, e o investimento a ser feito na pastoral, na missão e na
formação de pessoas da comunidade será de responsabilidade do Conselho de
Pastoral Paroquial e sua execução caberá ao Conselho de Assuntos
Econômicos.150
292. Na comunidade de comunidades não podem ocorrer encontros e reuniões que não visem, em última
instância, à salvação e à reconciliação de todos. A administração dos
bens, a manutenção dos espaços, os investimentos e toda a organização da
paróquia precisam considerar que ela é Igreja que pretende salvar e acolher a
todos, especialmente os mais necessitados, com empenho generoso e solidário no
investimento de recursos financeiros para a manutenção e qualificação de
obras e ações sociais, compromisso irrenunciável de fé autêntica.
293. Paróquias são pessoas jurídicas que precisam prestar contas a quem as
sustenta e ao Estado brasileiro, daí a necessidade do Conselho de Assuntos Econômicos,151
de uma gestão qualificada e transparente, de
acordo com as normas contábeis, a legislação vigente, civil e canônica.
Esse é um dos serviços que pode ser realizado com competência por leigos
formados nessas áreas.
294. A questão da manutenção também exige novas posturas. Comunidades e
paróquias sentem o peso econômico do sustento das estruturas pastorais. Será
preciso desenvolver fundos de solidariedade entre as paróquias da diocese.
Paróquias mais antigas e estáveis economicamente são chamadas a partilhar
seus recursos, para que outras comunidades possam crescer e se estabelecer.
Não se trata apenas de uma partilha esporádica, mas de uma forma organizada e
permanente de ajuda mútua entre as pequenas comunidades da mesma paróquia,
entre as paróquias da diocese e com áreas de missão além-fronteiras.
295. Além de repensar a gestão da comunidade paroquial, será preciso
distribuir melhor o atendimento do clero às paróquias. Essa missão compete
ao bispo, apoiado pelo Conselho Presbiteral e os padres que atuam na pastoral.
Há paróquias grandes e novas acompanhadas por apenas um presbítero. Há
paróquias menores e tradicionais que concentram mais presbíteros. Conhecer as
demandas e garantir a justa proporcionalidade no atendimento são urgências da
conversão pastoral.
296. A comunidade paroquial não pode se separar da vida diocesana. Sua unidade
se faz na oração, nos vínculos de pertença e na ação pastoral orgânica e
de conjunto. A pastoral precisa ser organizada com outras paróquias vizinhas e
com a cidade. O plano diocesano de pastoral permite novas inspirações para a
ação e possibilita que cada comunidade mantenha a unidade na diversidade de
realidades.
297. Além da solidariedade entre comunidades da paróquia e da diocese, é
importante manter vínculos afetivos e efetivos com paróquias de áreas
missionárias, especialmente na região amazônica. Nesse sentido, os bispos
afirmam que a “efetivação de uma Igreja comunidade de comunidades com
espírito missionário, manifesta-se também na bela experiência das
paróquias-irmãs, dentro e fora da diocese, análoga ao projeto
Igrejas-irmãs.” 152
6.8 Abertura ecumênica e
diálogo
298. É no cotidiano da paróquia que aparecem as dificuldades e as
possibilidades da relação com as diferentes igrejas e religiões. Em muitas
ocasiões da vida civil, os católicos se deparam com pessoas de diferentes
crenças. A vida familiar, as festas do município e as formaturas são apenas
alguns exemplos da convivência com o pluralismo religioso. Igualmente nos
batismos, matrimônios e exéquias celebrados por católicos há pessoas de
outras crenças. A atitude ecumênica e o diálogo garantem o respeito e o
acolhimento mútuos.
299. A perspectiva ecumênica pode ser enriquecida quando a comunidade se reúne
com outras confissões cristãs para rezar e meditar a Palavra de Deus.
Estimula-se, nesse sentido, a realização da “Semana de Oração pela Unidade
dos Cristãos”. Afinal, a oração especialmente nutrida pela Sagrada Escritura
é instrumento eficaz para se alcançar aquela unidade que o Senhor deseja para
a toda a humanidade.153
300. Existem vários elementos que podem fortalecer a ligação da Igreja
Católica com as outras denominações cristãs, especialmente no serviço à
vida e na defesa dos direitos humanos. É urgente superar o espírito de
divisão entre os cristãos, numa constante busca de unidade e caridade
desejada pelo Cristo. Essa unidade é também dom do alto, que o Espírito
suscita nos corações dos diferentes homens e mulheres para serem sinais de
comunhão. Por isso, o Documento de Aparecida recorda que a “eclesiologia de
comunhão nos conduz a um diálogo ecumênico. A relação com os irmãos e irmãs
de outras comunidades eclesiais é um caminho irrenunciável para o discípulo
e missionário”.154
301. As comunidades não perdem sua identidade no encontro com outros irmãos e
irmãs que buscam Deus de coração sincero. Nesse sentido, se encontra o diálogo
inter- religioso que se estabelece com religiões não-cristãs. A cultura da
proximidade e do encontro supõe acolher quem pensa diferente, superando a
dificuldade de conviver em paz numa sociedade e cultura de pluralismo.
6.9 Nova formação
302. A conversão da paróquia exige um novo estilo de formação. Não basta
ocupar-se de conteúdos e temas; é preciso encontrar metodologias e processos
que permitam desencadear uma conversão nas pessoas e uma mudança na
comunidade. Hoje é indispensável uma interação na qual a pessoa não é
apenas informada, mas aprende a formar-se junto com os outros. Métodos,
pedagogias interativas e participativas precisam ser estimulados. Essas
metodologias devem considerar especialmente a prática das comunidades e as
experiências de vida das pessoas, formando a consciência sobre o valor da
vida comunitária para a fé cristã.
303. O Papa Francisco insiste que a revisão da formação inclua tanto os
ministros ordenados e seminaristas quanto leigos: “É preciso ter a coragem de
levar a fundo uma revisão das estruturas de formação e preparação do clero
e do laicato da Igreja que está no Brasil. Não é suficiente uma vaga
prioridade da formação, nem documentos ou encontros. Faz falta a sabedoria
prática de levantar estruturas duradouras de preparação em âmbito local,
regional, nacional e que sejam o verdadeiro coração para o Episcopado, sem
poupar forças, solicitude e assistência. A situação atual exige uma
formação qualificada em todos os níveis.”155
304. Para que a conversão pastoral da paróquia se realize é fundamental a
preparação dos presbíteros, especialmente dos párocos para essa nova
mentalidade de missão. Para isso seria muito proveitoso estimular a
realização de um programa de renovação teológico-pastoral para o clero
brasileiro, focando na conversão paroquial. Não bastam palestras e cursos,
mas um autêntico processo que forme uma nova consciência pastoral e
missionária para o clero que atua nas paróquias. Este processo deve partir de
uma adesão profunda e crescente à pessoa de Jesus Cristo. Muitos querem, mas
precisam de reflexão e instrumentos que proporcionem a mudança.
305. Conforme o Papa, não bastam encontros com palestras que informam sobre
diversos temas. É preciso promover um processo metodológico capaz de envolver
as pessoas no saber, no fazer e no ser cristão. Há muita informação, mas
falta formar discípulos missionários. Uma boa sugestão pode ser a Escola Diocesana de Formação de Catequistas. Não se trata apenas de um “cursinho”, mas de um espaço sistemático,
orgânico e permanente de formação teológica, litúrgica, bíblica,
metodológica e psicológica para catequistas. Sem esse passo, pouca chance
terá uma paróquia ou diocese de rever sua catequese.
6.10 Ministérios leigos
306. Na Igreja há uma pluralidade de ministérios (cf. 1Cor 12,5). Nas primeiras comunidades cristãs, por
exemplo, havia apóstolos, pregadores e profetas. A Trindade enriquece a Igreja
com muitos carismas que estão a serviço da comunidade, e fazem crescer a
dimensão ministerial da Igreja. Os ministérios leigos também refletem a
dignidade de todos os batizados e a corresponsabilidade de todos os cristãos
na comunidade.
307. Para que as comunidades possam ser bem servidas e crescer na fé, é
necessário estimular a participação de leigos nos diferentes ministérios e
serviços.156 Destaque especial deve ser dado
ao Ministério da Palavra, por meio do qual homens e mulheres tornam-se
autênticos animadores de comunidades. Sejam devidamente preparados líderes
para, missionariamente, fundar novas comunidades eclesiais, tanto no meio rural
quanto nas grandes cidades, que se expandem sempre mais, como iniciar
comunidades transterritoriais, ambientais e por afinidade, possibilitando às
pessoas a alegria do encontro e do seguimento do Senhor em pequenas
comunidades.
308. Para cumprir sua missão, os ministros precisam estar bem preparados
com sólida formação doutrinal, pastoral e espiritual. Os melhores esforços
das paróquias precisam estar voltados à convocação e à formação dos
leigos das comunidades, especialmente seus ministros.
6.11 Cuidado vocacional
309. A Paróquia é, por excelência, o lugar do cuidado vocacional. O Concílio
Vaticano II, no Documento sobre a Formação Presbiteral, nos recorda que "o dever de fomentar as
vocações pertence a toda a comunidade dos fieis, que sobretudo as deve
promover mediante uma vida plenamente cristã. Para isso concorrem não só as
famílias que, animadas pelo espírito de fé, de caridade e piedade, são como
que o primeiro seminário, mas também as paróquias, de cuja vida fecunda
participam os adolescentes".157
310. Considerando a paróquia como comunidade de comunidades, é nela que nasce
e se fortalece a consciência vocacional da Igreja. Portanto, faz-se
necessário organizar, em todas as paróquias, equipes de pastoral vocacional
que animem a vocação batismal, apoiem a diversidade e a especificidade
vocacionais, promovam a oração pelas vocações. É toda a comunidade paroquial
que deve orar pelas vocações como recomenda o próprio Senhor da Messe,
convencidos de que elas são uma resposta de Deus à comunidade orante.
311. No cultivo das vocações, o testemunho dos presbíteros, como guias do
povo de Deus, é muito importante, embora Deus possa chamar pessoas para o seu
serviço mesmo em ambientes não favoráveis. O elemento essencial é o
testemunho que a comunidade cristã dá do Evangelho de Cristo. O Papa
Francisco afirma que "onde há vida, fervor, paixão de levar Cristo aos
outros, surgem vocações genuínas. Mesmo em paróquias onde os sacerdotes
não são muito disponíveis nem alegres, é a vida fraterna e fervorosa da
comunidade que desperta o desejo de se consagrar inteiramente a Deus e à
evangelização".158
6.12 Comunicação na pastoral
312. Diante das novas possibilidades de comunicação e dos novos tipos de
relacionamento que a mídia possibilita, a comunidade também interage de forma
diferenciada com seus fiéis. O ser humano atual é informado e conectado,
acessa dados e vive entre os espaços virtuais. A ausência da paróquia nesses
meios é inconcebível.
313. Na evangelização e na pastoral persistem linguagens pouco significativas
para a cultura atual, especialmente para os jovens. A renovação paroquial
não pode descuidar da mutação dos códigos de comunicação existentes com
amplo pluralismo social e cultural.159
314. É importante promover uma comunicação mais direta e objetiva. As
reuniões de pastoral carecem de uma linguagem menos prolixa e de uma
metodologia mais clara e envolvente. Há encontros que se delongam pela falta
de objetividade e clareza.
315. Enfim, não é possível menosprezar a experiência religiosa conhecida
pelos meios midiáticos e virtuais que influenciam pessoas, disseminam informações
e formam opinião sobre temas religiosos. Considera-se também que a
população mais idosa, especialmente, utiliza-se muito do meio televisivo para
rezar, acompanhar as celebrações eucarísticas e se informar sobre temas da
fé. Especialmente os santuários nacionais e regionais que têm importante
papel difusor da fé pelos meios de comunicação, hão de ser convocados a
promover a conversão pastoral das paróquias. Sua programação midiática há
de estimular o vínculo da pessoa
à comunidade paroquial.
316. O grande desafio das TVs e sites católicos é desenvolver uma pastoral de conjunto que respeite a
pluralidade de opções, mas garanta a comunhão efetiva na missão de renovar
as paróquias. Seria um grave problema eclesiológico e pastoral se um site ou uma televisão possibilitasse
que o fiel se vinculasse apenas aos meios de comunicação com celebrações,
doações e vínculo associativo prejudicando a participação na comunidade
paroquial. Essa tentação, que muitos fiéis sofrem, de interagir mais com o
meio do que com a sua comunidade presencial há de ser uma preocupação
especial e constante de quem conduz a programação midiática.
6.13 Sair em missão
317. Há muitos católicos não evangelizados que não fizeram a experiência
pessoal com Jesus Cristo, têm fraca identidade cristã e pouca pertença
eclesial.160 O Documento de Aparecida
reconheceu que muitos católicos que deixam as comunidades e procuram outras
denominações religiosas sem querer deixar a Igreja; na realidade, buscam
verdadeiramente Deus.161
318. É urgente ir ao encontro daqueles que se afastaram da comunidade ou dos
que a concebem apenas como uma referência para serviços religiosos. Ocasião
especial para acolher os afastados pode ser a preparação de pais e padrinhos
para o Batismo, a preparação de noivos para o Sacramento do Matrimônio, as
Exéquias e a formação de pais de crianças e jovens da catequese. Todas
essas situações supõem um olhar menos julgador e mais acolhedor, para
receber aqueles que buscam a comunidade pensando apenas no sacramento. Se forem
bem acolhidos, poderão retornar ou ingressar na vida comunitária.
6.14 Breve conclusão
319. Para que a paróquia se
converta em comunidade de comunidades, será preciso manter algumas características fundamentais:
1.
a) formar pequenas
comunidades a partir do anúncio querigmático, unidas pela fé, esperança e
caridade;
2.
b)
meditaraPalavradeDeuspelaLeituraOrante;
3.
c) celebrar a Eucaristia,
unindo as comunidades da Paróquia;
4.
d) organizar retiros;
5.
e) estabelecer o Conselho
de Pastoral Paroquial e o Conselho de Assuntos
Econômicos, garantindo a comunhão e participação;
6.
f) valorizar o laicato e
incentivar a formação para os ministérios leigos;
7.
g) acolher a todos, especialmente
os afastados, atraindo para a vida em comunidade,
expressão da missão;162
8.
h) viver a caridade e fazer
a opção preferencial pelos pobres;
9.
i) estimular que a igreja
matriz e as demais igrejas da paróquia tornem-se centros de
irradiação e animação da fé e da espiritualidade;
10.
j) dar maior atenção aos
condomínios e conjuntos de residências populares;
11.
k) garantir a comunhão com
a totalidade da diocese;163
12.
l) utilizar os recursos da
mídia e as novas formas de comunicação e relacionamento;
13.
m) ser uma Igreja “em
saída missionária”.
CONCLUSÃO
320. Novos contextos e oportunidades estimulam a conversão pastoral da
paróquia em comunidade de comunidades. Os sujeitos dessa renovação precisam assumir a sua condição de
discípulos missionários, para que surja um novo ardor pela missão. A
paróquia atual tem a tarefa de superar a postura burocrática, desanimada e
estática para fazer resplandecer a Igreja como mistério, Povo de Deus a
caminho. É preciso que a comunidade seja viva, serviçal e aberta a todas as
pessoas. “Impõe-se uma conversão radical da mentalidade para nos tornarmos
missionários – e isto vale tanto para os indivíduos como para as
comunidades.” 164
321. A paróquia, no sentido original do termo, precisará gerar comunidades
onde as pessoas se encontrem. A divisão das paróquias do século IV se ateve
ao espaço, fisicamente considerado. No século XXI não pode haver uma
configuração única, pois que poderá ser a territorial-física ou não
territorial, ambiental, ou, opcional por afinidades.165
322. Não basta alterar a nomenclatura da paróquia denominando-a comunidade de
comunidades. O que indicará a novidade missionária será o tipo de
relacionamento que se estabelecerá nas comunidades, seja do clero com os
leigos, seja dos leigos entre si. Busca-se uma vivência mais comunitária da
fé cristã, de acordo com o Evangelho. Para isso, a ação evangelizadora das
comunidades paroquiais precisa ocupar tempo, interesse e recursos com as
pessoas e não apenas com reuniões prolixas, projetos que ficam apenas no
papel e discursos distantes da realidade. Muito da pastoral paroquial está
centrado em tantas atividades e tarefas, não havendo tempo para a gratuidade,
a informalidade e a amizade.
323. Para isso, a ação evangelizadora das comunidades paroquiais precisa
ocupar tempo, interesse e recursos com as pessoas e não apenas com reuniões
prolixas, projetos que ficam apenas no papel e discursos distantes da
realidade. Muito da pastoral paroquial está centrado em tantas atividades e
tarefas, não havendo tempo para a gratuidade, a informalidade e a amizade.
324. Seguindo o Documento de Aparecida, entende-se que a Missão Continental é
constituída de duas dimensões: a programática e a paradigmática. Isso se
desdobra na reflexão sobre a paróquia e suas comunidades. A missão
programática se detém em organizar o “fazer” em vista da missão. É preciso
atividades de índole missionária capazes de expressar a conversão pastoral
da comunidade. A missão paradigmática, por sua vez, ocupa-se da necessidade
de mudar a mentalidade em razão da missionariedade, trata-se de “ser cristão”
em comunidade, buscando um novo horizonte de compreensão capaz de incidir
sobre uma nova prática, a partir da missão na paróquia.
325. Após a leitura desse texto, seria conveniente que as comunidades
paroquiais refletissem sobre as seguintes questões:
1. 1 Quais são os pontos deste texto que provocam a reflexão sobre a
nossa comunidade paroquial?
2. 2 Que atividades pastorais e estruturas precisam ser revisadas?
3. 3 Em que aspectos já estamos vivendo a conversão pastoral?
5. 5 Como a nossa paróquia pode tornar-se comunidade de comunidades?
6. 6 O que precisamos assumir para sermos uma paróquia missionária?
326. Em sintonia com a Missão Continental, a Igreja no Brasil poderia elaborar
um programa de conversão pastoral das paróquias no País. Respeitando a
pluralidade e propondo uma pastoral de conjunto, seria importante oferecer
instrumentos que possibilitassem às dioceses a renovação das paróquias em
comunidade de comunidades.
327. No mundo, hoje, há muita sede e, em Cristo, há a água que sacia toda
sede humana. Compete à Paróquia, como Comunidade de comunidades, facilitar o
acesso a essa Água Viva. Feliz a comunidade que é um poço dessa Água Viva,
da qual todos podem se aproximar para saciar sua sede. São João Paulo II, na
Christifideles Laici, cita São João XXIII que sempre dizia que "a
Paróquia seja a fonte da aldeia a que todos acorrem na sua sede".166
328. Confiamos à Virgem Maria, Mãe da Igreja, o empenho de todas as paróquias
e dioceses do Brasil para essa conversão pastoral. Estamos certos de que a
Senhora Aparecida nos acompanha e auxilia para que em cada comunidade se
encontre a felicidade que ela bem conhece: “Felizes os que ouvem a Palavra de
Deus e a põe em prática” (Lc 11,28).
329. Aquele que renova todas as coisas (cf. Ap 21,5b) ilumine e conduza os passos da renovação
paroquial que a Igreja no Brasil pretende. A nova realidade implica um novo
entusiasmo por Deus e por seu Reino. A conversão paroquial exige uma
renovação espiritual e pastoral que se expressa na nova evangelização.